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Joinville, Santa Catarina, Brazil

CAPÍTULO 10 - PARTE I - DO OUTRO LADO DA LINHA



Na mesma noite, sentada à frente da escrivaninha em seu escritório, Elisabete analisava o papel em sua mão. Amassou-o com raiva e observou a expressão petulante no rosto de Augusto.

- Ela chegou na sua frente, querida.

No mesmo instante, ela ergueu-se da cadeira e derrubou todos os objetos de cima de sua mesa, inclusive o notebook, que se espatifou no chão.

- Aquela maldita! Eu preciso acabar com ela e com aquele bebê de uma vez por todas!

- Não é necessário – disse Augusto, calmamente. – Além de estar com uma incurável amnésia, Tatiana se demitiu do emprego e voltou a morar com os pais não muito longe daqui.

- Seu idiota, é claro que é necessário tomar uma atitude contra esta mulher! – esbravejou Elisabete, enquanto fumava um cigarro após o outro. – Não percebe que ela está fingindo?

- Acalme-se, o desespero não é bom conselheiro...

- Cale a sua boca ou eu mato você também! – ameaçou ela. – Eu preciso agir rapidamente antes que o Paulo fique sabendo sobre o bebê.

- O que pretende fazer?

- Eu vou matá-la, e desta vez, vou me certificar de que ela nunca mais vai atravessar o meu caminho.

- Elisabete, ela está esperando um filho... Você não vai ser insensível a ponto de... – falou ele, começando a ficar preocupado.

- Ela não tinha o direito, entendeu? – Elisabete àquela altura estava berrando, disposta a tudo.

- Pense melhor, Elisabete. A criança não tem culpa...

- E você acha que eu me importo com ela? Eu odeio a Tatiana e aquele bebê que ela espera. Vou dizer o que você deve fazer...

- Você não vai dizer coisa alguma – anunciou Augusto, levantando calmamente da cadeira. Ele apanhou sua valise, arrumou os punhos da camisa e fez menção de sair do escritório.

- Onde você pensa que vai? – perguntou ela, colérica.

- Não vou participar desse jogo sujo, não quando envolve uma criança que ainda nem nasceu.

- Não me faça acreditar que agora você é um homem de princípios. Ou acata minhas ordens ou vou arranjar outro advogado.

- Nesse caso, pode começar a procurar outro. Eu me demito.

Ele saiu do escritório e Elisabete seguiu-o.

- Escute, Augusto, você não disse que me ama? – Ela controlou-se, procurando seduzi-lo. Sabia que o tinha nas mãos. Então, passou os braços em volta de seu pescoço e beijou-o. – Se você me ama de verdade, vai me ajudar, não vai?

Ele olhou diretamente nos olhos dela.

- Se eu te ajudar desta vez, você me promete que vai esquecer o Paulo e ficar comigo? Elisabete, nós podemos ser tão felizes juntos.

- Claro que prometo! – mentiu ela. – Faço tudo o que você quiser. Sabe que o Paulo é um capricho meu. Depois que ele me satisfizer, vou mandá-lo para o olho da rua.

- Você ainda espera conseguir algo com ele, Elisabete? Está se iludindo com um projeto que jamais vai conquistar.

- Do que está falando? – Elisabete percebeu que Augusto ocultara uma informação valiosa e estava usando-a em seu favor.

- Querida, não tente me enganar – ele riu sonoramente, aguardando o momento de revelar seu trunfo. – Acha que em todos esses anos que me dedico exclusivamente a você, não tive a curiosidade de investigar sua vida?

- Pare com isso imediatamente! Você está blefando – ela saiu novamente de controle.

- Eu sei de tudo, inclusive sobre sua obsessão por Paulo – afirmou ele, retirando de sua valise uma encadernação. – Tome.

- O que é isso? – Ela arrancou o volume das mãos dele e folheou rapidamente as páginas, enquanto Augusto dominava a situação.

- Isso, minha querida, é um dossiê completo sobre sua vida. Contém fatos sobre sua infância e adolescência, relata a doença de seu pai e seu falecimento, ainda apresenta um relatório detalhado de como o advogado de seu pai foi morto após o envenenamento, e de como o caso foi abafado na justiça, além de toda a trama que você armou para cima do Paulo.

- Seu crápula! Isso tudo é uma mentira! – Ela atirou o dossiê no chão e ameaçou esbofetear Augusto.

- Não é mentira. Basta eu apresentar esse documento para as autoridades e você será condenada por homicídio.

- Espera que acreditem em um absurdo destes? Você é mesmo ingênuo e não tem provas. – Elisabete riu sem se intimidar com as acusações.

- Aí que você se engana. As provas existem e estão muito bem guardadas. Basta que você se precipite e elas aparecerão.

- Mais um blefe. Pare de me chantagear, doutor. Está se achando o máximo, não é mesmo? Mas vai ter o que merece.

- Não seja estúpida. Eu sou uma bomba-relógio.

- Espere. – Elisabete ficou séria de repente. Tentava articular uma armadilha e ainda não entendia o que ele queria de verdade. – Quanto quer para esquecer tudo?

- Não é uma questão financeira. Eu quero você.

- Esqueça. Eu podia matar você – ela falou, porém, cansada e derrotada, deu as costas para ele.

- E o que está esperando? – Ele abriu os braços. – Você possui uma arma e um silenciador. Acabe comigo agora, só que seu segredo não vai morrer comigo. Eu garanto.

- Ainda acho que você está blefando – insistiu ela, enquanto se virava para ele novamente.

- Quer arriscar?

Ela permaneceu em silêncio, enquanto vagava pela casa. Esperava ter uma grande ideia para enganar o trapaceiro advogado, silenciar Tatiana e obrigar Paulo a manter-se casado com ela. Entretanto, Augusto sempre cuidara da parte suja de seus planos e o que ela não poderia esperar era aquela traição repugnante.

Abalada com a confissão que deixara escapar a Paulo, Elisabete pensou em matá-lo também, pois ele representava tudo o que ela mais repudiava: caráter, senso de justiça, escrúpulos, honestidade e a fidelidade inabalável a seus princípios éticos e moralistas. Para ela a vida não passava de um jogo, em que vence o mais astuto, aquele que não se prende a regra alguma. Desde criança ela aprendera a valorizar o dinheiro em lugar dos sentimentos. Percebera que um ser humano não é nada sem status, que sua mísera vida só ganha proporções à custa do sofrimento alheio. Porém, toda essa concepção se mostrou inoportuna ao comparar forças com aquele homem que no primeiro momento pareceu perfeito.

A lembrança do último encontro com Paulo chegou a aquecer novamente seu sangue. Ela cerrou o punho ao imaginá-lo fazendo amor com Tatiana, a seu modo de ver, uma mulher de poucos atributos. Não tinha mais o que fazer e ela estava decidida a acabar com todos eles, até mesmo com Augusto, pois faria com que revelasse o nome da pessoa que estava acobertando toda sua chantagem.

Ao final do que parecia ter passado uma eternidade, ela reagiu, esbravejando contra todos aqueles que decidiram estragar seus planos, principalmente com Paulo por todas as vezes que a rejeitara. Ela jamais admitira tal atitude e não compreendia seus motivos.

Augusto, que ouvira os desabafos dela em silêncio, aproximou-se com cautela e tocou em seus ombros.

- Elisabete... – sussurrou ele. – Você está infeliz e tudo isso é culpa daquele ignorante que você escolheu para casar.

Ela não o repeliu e manteve-se em silêncio, observando-o como se fosse capaz de sentir algo por ele. Mas admitiu para si mesma que ele estava certo, pois se sentia muito infeliz e negligenciada.

- Augusto, me ajude... – pediu ela, sem desviar seus olhos dos dele.

- Sim, querida, acalme-se. Vai dar tudo certo.

Ele acariciou-a lentamente no rosto e beijou os lábios, que a princípio mostraram não aceitar a iniciativa. Entretanto, mais algumas carícias fizeram-na ceder e eles consumaram o ato sexual de um modo totalmente desprovido de emoção, principalmente da parte de Elisabete, que deixou seu corpo a mercê dos prazeres mundanos e nada mais. Augusto, por sua vez, procurou satisfazê-la, pois sabia que era disso que ela precisava, do prazer apenas, não do amor que sentia por ela. E constatou essa verdade ao fim do ato quando ela se afastou dele após satisfazer seu ego terrivelmente ferido pelas rejeições.

- Suma daqui agora! – ordenou ela, arrependida, mas sem se alterar, enleando-se no lençol e saltando da cama.

- Eu irei, mas antes quero dizer que te amo, te amo muito e faço tudo por você. Eu te quero...

- Sai, sai! – continuou ela, rispidamente. – Amanhã você me contará tudo, mas no momento não estou suportando olhar para sua cara.

- Cuidado, querida... – alertou ele em tom sarcástico, enquanto vestia as calças e tentava disfarçar a mágoa. – Lembre-se de tudo o que falamos.

- Sai! – ela gritou, atirando nele os sapatos. Ele defendeu-se dos ataques, apanhou os sapatos e o restante de seus pertences e seguiu para a porta de saída, mas antes ameaçou:

- Cuidado para não se arrepender, Elisabete – e fechou a porta antes de ser atingido pelo abajur que se espatifou no chão.

- Vamos ver quem é que vai se arrepender aqui, seu idiota – disse ela, deixando escapar uma gargalhada demente que ficou ecoando na casa vazia.

Do lado de fora da casa, Augusto podia ouvir perfeitamente a gargalhada de escárnio da mulher que cegamente teimava em amar. Humilhado e ao mesmo tempo revoltado, ele sentou-se à direção do veículo e digitou alguns números em seu celular.

- Pode dar continuidade ao plano – falou ele com a pessoa do outro lado. Após desligar ele sorriu, falando para si mesmo: – Ah, Elisabete, você ainda vai ser minha. – Em seguida, girou a chave na ignição e foi embora.

Não muito longe dali, um homem desligou o aparelho de celular e oculto pelas sombras da noite, arrombou um armário digital, prosseguindo com algumas alterações nas linhas telefônicas. Em seguida, o sujeito apanhou o badisco, uma espécie de telefone fixo-portátil, e fez uma ligação clandestina.

O telefone tocou e Elisabete saiu do banho para atender. Ao mesmo tempo, no centro de Pirabeiraba, o telefone da delegacia de polícia soou. Um policial de plantão atendeu, mas não estava com a menor disposição para trotes e usou de xingamentos vulgares que o sujeito misterioso ouvia.

- Alô!

Ao perceber que Elisabete atendera sua chamada, ele cruzou as linhas e começou a falar com ela:

- Assassina...

- O quê? Quem está falando?

- Olá, Elisabete, pensou que ninguém iria descobrir seus crimes, não é mesmo? Seu erro é confiar demais em si mesma.

- Já ouvi isto esta noite. Você é o informante de Augusto, está claro. Não adianta me ameaçar. Ninguém vai acreditar nesta história.

- Você é uma assassina! Tentou estrangular Tatiana e eu tenho as provas aqui comigo.

- Como assim? Que provas? – O homem sentiu uma insegurança na voz da mulher que há instantes parecia totalmente controlada. – Você está mentindo. Pare com isso ou acabo de uma vez com sua raça maldita! Alô! Alô!

Enquanto isso, o policial que acompanhava atentamente a conversa, se apressou em anotar o número do telefone no identificador de chamadas. Rapidamente consultou o sistema para verificar o endereço, ao passo que gravava as ameaças de Elisabete.

- Você vai se arrepender por se meter comigo! Acabo com você e com aquela maldita criança!

Ela bateu o telefone e o policial redigiu um relatório.

- É, moça – falou ele consigo mesmo, imaginando uma decolada na própria carreira –, não sei como isso aconteceu, mas você se meteu numa cilada.

O homem no armário digital ouviu tudo e reativou as linhas. Na sequência, fez uma ligação no celular.

- Tudo correu conforme o combinado – anunciou, desligando em seguida.





Assim que a delegada entrou no prédio na manhã seguinte, o policial foi ao seu encontro e, no caminho, relatou o que ocorrera.

- Escute isso, Rosana – pediu ele, ligando o gravador após chegar ao departamento.

- Esta é mais uma de suas brincadeiras, Luiz? Onde conseguiu esta fita? – perguntou ela, recostando-se na cadeira.

- Não sei como aconteceu, Rosana, mas parece que alguém cruzou as linhas de propósito para nos alertar.

- E quem é Elisabete? E Tatiana? E Augusto? Investigou esses relatos?

- Sim, e descobri que o telefone pertence à Elisabete Schroeder, a mesma que causou aquele escândalo porque um instalador de linhas telefônicas teria abusado dela sexualmente.

- Sim, eu lembro do caso, mas e daí? O que uma coisa tem a ver com a outra?

- O delegado que trabalhava neste local não abriu ficha criminal, mesmo após duas acusações da tal da Elisabete.

- Continue.

- Mais tarde, ela retirou as acusações e se casou com o instalador. Não parece estranho?

- Isso está me cheirando a suborno.

- E tem mais: a Tatiana trabalhava na mesma empresa que o Paulo, o marido de Elisabete. Não consegui apurar qual era a ligação deles, mas os registros do cartório indicam que ela iria se casar com ele. E, de repente, a noiva passou a ser a Elisabete. Mais tarde, a Tatiana sofreu estrangulamento, mas sobreviveu e recebeu alta há dois dias.

- E ela prestou depoimento sobre quem tentou assassiná-la?

- Não, ela não registrou nenhum boletim de ocorrência. Parece que perdeu a memória.

- A pessoa que está acusando Elisabete disse que tinha provas. É possível que Tatiana tenha revelado o nome do criminoso para alguma pessoa que esteja chantageando Elisabete em troca de dinheiro – deduziu Rosana, levantando-se de imediato. – Luiz, redija uma ordem de prisão e me encontre na viatura. Temos obrigação de evitar uma tragédia.

- Imediatamente, chefe!

Luiz saiu rapidamente da sala para providenciar os documentos e dentro de instantes já seguia para a viatura onde Rosana o aguardava. Assim que embarcou, ligaram a sirene e partiram.

Elisabete passara a noite em claro, elaborando uma vingança. O telefonema deixara-a ainda mais nervosa e ela decidiu pôr seu plano em execução. Assim que decidiu o que faria, caminhou até a cômoda, abriu uma gaveta e retirou uma arma de dentro de uma caixa. Desta vez queria se certificar de que nem Tatiana nem Paulo sobreviveriam. E Augusto seria o próximo. Guardou o revólver dentro da bolsa e saiu de automóvel.

Assim que o veículo saiu da Rua João Fleith e trafegou na SC 301, passou por uma viatura da polícia civil que seguia velozmente com a sirene ligada. Pelo retrovisor, Elisabete verificou que a viatura atravessava a ponte e seguia pela esquerda na direção de sua casa.

- Já imaginava isso – falou Elisabete, acelerando o automóvel.





Tatiana apreciava a manhã ensolarada de outono enquanto deixava o pensamento voar. Ela estava encostada no tronco da árvore onde seu filho fora gerado, redigindo um novo romance, quando uma folha caiu sobre o caderno, tirando sua concentração. Ela apanhou a folha verde com cuidado e rodopiou-a nos dedos, imaginando o momento mágico em que finalmente estaria com seu filho nos braços. “Meu filho, vou poder contar a você que homem maravilhoso era seu pai”, pensava ela, sentindo-se infeliz por não poder contar com a presença de Paulo. “Vai ter que se contentar com duas tias bajuladoras, um avô e uma avó corujas e uma mãe ainda mais orgulhosa”, falava ela, acariciando seu ventre e acostumando-se à ideia de que dentro em breve seria mãe.

Voltou então a se concentrar em sua história, que nada mais era que o relato de sua própria vida, mas, oposto à vida real, o casal que se amava viveria feliz para sempre com o filho que estava por nascer.

Após reler o penúltimo capítulo, Tatiana se levantou e se espreguiçou e um arrepio percorreu seu corpo que se contorceu em um espasmo. Ela procurou ignorar o súbito pressentimento, mas seu coração acelerara. Ela não costumava ouvir seu coração, pois julgava que o coração não fosse capaz de definir alguma coisa, só que ele gritava “perigo!” e ela começou a ficar assustada.

- A maternidade deve estar afetando meus nervos – deduziu ela. – É melhor eu voltar para casa.

Ela fechou seu caderno e abaixou-se para apanhar a caneta que caíra no chão. Assim, sentiu uma trepidação proveniente da estrada e levantou-se para tentar ver o veículo em meio à vegetação. O som aproximou-se e ela fixou o olhar em uma clareira que dava para a estrada. Quando o veículo passou, imediatamente ela desejou gritar, mas sufocara. Ela largou o caderno na relva e saiu correndo pelo mato, desesperada por chegar em casa e avisar sua família.

Enquanto isso, a brisa brincava com as páginas do caderno, que ficou caído sobre o tapete de folhas secas, à espera da conclusão da narrativa...


CAPÍTULO 9 - PARTE II - VERDADES


   - E isso é tudo – Luíza finalizou sua narrativa e observou enquanto Valéria tomava um gole de água. Paloma e Natália mantiveram-se em silêncio, aguardando uma reação mais significativa por parte de Valéria. Esta, porém, recostou-se na cadeira e olhou em torno da sala de reuniões. Seu olhar percorreu o ambiente e voltou-se para os rostos das garotas.

   - E eu que pensava que ele fosse um canalha – manifestou-se finalmente. – Por que não me contaram isso desde o começo?

   - Nós não podíamos contar a ninguém antes do casamento de Tatiana com Paulo, porque havia o risco de Elisabete descobrir tudo – explicou Paloma.

   - Só que descobriu do mesmo jeito. – Valéria, por um momento, pareceu decepcionada com o fato de não terem confiado nela. – Eu acreditei que a Tatiana estava se casando de verdade. Fui enganada, eu e o resto do planeta.

   - Valéria, se isso serve de consolo, a Tatiana não chegou a contar nem para os pais – argumentou Natália.

   - Nem eu, nem a Paloma nem a Natália tivemos culpa de termos sido envolvidas, não acha? – perguntou Luíza.

Valéria não respondeu imediatamente e pareceu refletir por um momento. Depois de alguns minutos, suas palavras serviram para suavizar o clima que pairava sobre elas:

   - Vocês agiram com o coração e foram leais e isso é admirável. Tatiana pode se orgulhar de vocês.

 - Quer dizer que não está mais zangada? – sorriu Natália, a mais nova da equipe.

 - Claro que não. Vocês são as minhas garotas e eu fico feliz por tê-las trabalhando comigo – respondeu Valéria, sorrindo. As três levantaram-se e abraçaram Valéria ao mesmo tempo, voltando a fazer bagunça.

- Que bom que você entendeu – desabafou Luíza.

- Essa é a nossa Negona! – comemorou Paloma, com o apelido carinhoso pelo qual a chamavam.

- Muito bem, garotas, vocês já viram que horas são? – alertou Valéria.

- Nossa! Tá super tarde! – exclamou Natália. Deixa eu ir, tchau, gente.

Natália saiu primeiro da sala de reuniões e Valéria pediu para Luíza e Paloma aguardarem.

O que foi, Valéria?

- Tem uma coisa que eu não entendi.

- E o que foi? – Paloma ficou intrigada.

- Se a Elisabete já tinha se casado com o Paulo, porque haveria o interesse de matar Tatiana?

- Ah, Valéria... – as garotas entreolharam-se, buscando a resposta. – Isso é apenas uma suspeita – alegou Luíza.

- Sim, a única que poderia falar a respeito é a própria Tatiana, mas sofreu amnésia após o acidente, como você sabe - lembrou Paloma.

- E além disso, ela deve ter bloqueado. Imagine, Valéria, sofrer um ataque assim, do nada, acho justo ela não lembrar ou não querer reviver o trauma.

- É verdade – aceitou Valéria. – Ela está traumatizada e não é pra menos. Obrigada, garotas, obrigada por me contarem.

Luíza e Paloma despediram-se e voltaram ao setor para apanharem suas bolsas. Assim que saíram do prédio, Luíza perguntou:

A polícia vai nos chamar pra depor. Você acha que devemos revelar nossas suspeitas?

- Acho difícil que a polícia investigue por conta própria, porque a Tatiana não registrou queixa, mas se acontecer, não pretendo me envolver.

- Mas, Paloma... – Luíza se surpreendeu com a decisão dela.

- A Valéria tem razão, Luíza. O Paulo agora está casado e a Tatiana não oferece riscos para a Elisabete.

- Mas a Tatiana pode se lembrar do que aconteceu com ela.

- Fala sério, Luíza. Você acha que ela vai querer denunciar a Elisabete? Claro que ela vai querer se proteger.

- Paloma, você está dizendo que ela fingiu a amnésia?

- Não estou dizendo nada. Agora, é melhor esquecermos isso tudo.

- É fácil pra você falar, o problema é deitar a cabeça no travesseiro e dormir tranquila sem imaginar que vai acontecer uma tragédia.

- Agora você está viajando igual à Tatiana. Deixa eu ir embora. Essa mania de viagem pode ser contagiosa.

    Paloma beijou o rosto da amiga e atravessou a rua. Luíza observou o prédio e um arrepio percorreu seu corpo quando lembrou da tragédia que ali acontecera. Refletiu sobre o comentário da amiga e concordou com ela, pois a imaginação exagerada parecia mesmo uma mania causadora de grandes transtornos. Mesmo assim, seguiu seu caminho, apesar da apreensão acompanhá-la continuamente.


CAPÍTULO 9 - PARTE I - O SEGREDO

Pela primeira vez em semanas, Paulo pôde dormir satisfeito consigo mesmo. Tomara uma atitude digna e lamentou que demorasse tanto para chegar a tal decisão. Finalmente, Elisabete estava fora de sua vida.

Apesar da sensação de vitória, ele despertou na manhã seguinte com um gosto amargo na boca. Lavou o rosto e olhou no espelho o que sobrara do homem que ganhara a liberdade afastando sua rival e que perdera a mulher que amava, tudo no mesmo dia. Ele sentia-se velho, entorpecido pelos problemas, perdera o brilho nos olhos que era tão comum em sua juventude. Pensou em Tatiana e viu uma lágrima deslizar pela face de sua imagem no espelho. Limpou a gotícula com as costas da mão e foi até a sala onde acendeu um cigarro e sentiu a fumaça penetrando em seus pulmões. Olhou em torno e viu o violão apoiado em um canto. Imediatamente lembrou o dia em que conheceu Evelin. Ela agora era somente uma lembrança, mas lhe fazia falta. Paulo observava mentalmente Evelin e Tatiana, sendo-lhe impossível definir qual delas mais amava. Apagou o cigarro no cinzeiro, apanhou o violão e começou a dedilhar uma melodia. Fazia anos que não tocava. As primeiras notas pareceram-lhe desafinadas e grotescas, mas pacientemente ele conseguiu tocar uma música que cantava junto com Evelin nos cultos de louvor de sua pequena comunidade.

Após cantar, Paulo devolveu cuidadosamente o instrumento ao lugar e ergueu a face para o alto, fazendo uma prece para Evelin. Uma brisa suave soprou em seguida e ele preparou-se para ir para o trabalho e recomeçar sua vida.

Quando chegou na empresa e antes que pegasse seu veículo, seu supervisor chamou-o e com total falta de diplomacia informou que Paulo havia deixado ordens de serviço vencerem, o que prejudicou os indicadores, e por aquela razão estava sendo desligado da Integração. A última obrigação a ser cumprida era passar na sala do coordenador para assinar a rescisão de contrato.

Novamente Paulo sentiu seu mundo ruir. Lembrara-se como Elisabete havia sujado seu nome, mas desta vez não poderia culpá-la e, cabisbaixo, encaminhou-se para a sala do coordenador. Quando se preparava para tocar na maçaneta, a porta se abriu.

Tatiana?!

- Paulo?!

- Está de saída? – Ele observou a bolsa que ela levava pendurada no ombro.

- Eu... acabei de me demitir – respondeu ela, sem conseguir olhar nos olhos dele. – E você?

- Eu estou sendo desligado. Deixei ordens de serviço vencerem.

- Não era para menos, depois de toda essa confusão... – disse ela. – E como você se sente?

- Um perdedor. – Ela olhou rapidamente para ele, mas desviou novamente o olhar. – Mas por que está saindo? – ele quis saber.

- Eu preciso reaprender tudo, Paulo. Além disso, a amnésia provocou um desequilíbrio emocional difícil de ser revertido e eu estou voltando para o campo.

- Lembrou de seus pais? – indagou ele, surpreso.

- Algumas coisas, o suficiente para eu encontrá-los – ela estava nervosa e inquieta e ele percebeu isso. – Eu preciso ir – ela tentou sorrir.

- Tatiana – chamou ele antes que ela sumisse no corredor.

- Que foi? – ela engoliu em seco.

- Eu não estou mais na casa de Elisabete. Agora tenho armas para lutar de igual para igual com ela. E eu te amo. Você vai deixar saudades. Tem certeza de que não posso ter mais uma chance?

- Já falamos sobre isso – respondeu ela, tentando ser forte.

- Eu perdi você pra sempre?

- Você vai ficar bem. Adeus.

Paulo acompanhou seus últimos passos até ela desaparecer na escadaria. Abaixou a cabeça, desconsolado, e entrou na sala do supervisor.

Quando Tatiana desceu as escadas, ela sentia o peito comprimido e só pensou em fugir. Saiu da empresa, embarcou na bicicleta e pedalou o mais depressa que podia, sentindo o vento secar suas lágrimas, grudando-as na face. Paulo perdera até mesmo o emprego e ela estava tirando dele a chance de ser feliz.  Enquanto pedalava sem destino, ela avistou o parque em que Paulo havia confiado suas aflições. Ela parou a bicicleta e sentou-se no banco, observando as crianças brincarem, mas com a mente e o coração condenando-a pela atitude de fazê-lo sofrer. Tatiana recobrara a memória pouco a pouco e demorou algum tempo até que conseguiu organizar seus pensamentos. A primeira abertura de seu passado deu-se quando ela estava saindo do hospital. Quando Paulo mencionou que eles haviam se amado, então, como um flash, ela lembrou dos momentos em que eles declararam seu amor. Dessa forma, o mapeamento de sua memória recebera um ponto de partida. E a conversa que tivera com Natália pouco antes de tomar a decisão de se demitir foi decisiva para Tatiana lembrar de tudo o que ocorrera. Após a reunião dos fatos, ela começou a sentir medo pela vida de Paulo e continuou fingindo amnésia para protegê-lo.

Apesar da decisão que tomara de ocultar a verdade, Tatiana ficou com o coração dividido após receber a comprovação de uma suspeita, que também ajudou na recuperação de suas lembranças. Ela abriu a bolsa e retirou o resultado de um exame médico. Lágrimas afloraram-lhe aos olhos e ela sentiu-se desamparada e solitária. Por outro lado, seu coração dizia-lhe para que ficasse feliz, porque recebera de Paulo o presente maravilhoso que era o filho que crescia em seu ventre. O pensamento trouxe um sorriso aos seus lábios e ela acariciou a barriga, dizendo:

Meu bebê, está na hora de dar a boa notícia aos seus avós.

    Então ela foi para casa e depois de algumas horas já estava em um ônibus com destino ao seu refúgio.




CAPÍTULO 8 - PARTE II - A CONFISSÃO

Paulo chegou em casa após ter rodado muito. Quase se envolvera em um acidente por estar dirigindo perigosamente e ganhara uma multa por excesso de velocidade. Desembarcou do carro e chutou o pneu com raiva tantas vezes até sentir dor no pé. Diante do olhar confuso e embaçado por causa das lágrimas, Paulo observou os cômodos acesos da casa de Elisabete e finalmente tomara uma decisão digna de um homem. Deixou a chave do veículo na ignição e caminhou resoluto para o quarto. Dentro de minutos, ele apanhou as coisas dele dentro de uma mala, certificou-se de não haver ninguém o observando e abandonou o local.

Já passava da uma hora da madrugada enquanto ele caminhava pela rua deserta e escura quando os faróis de um veículo projetaram sua sombra mais adiante e logo o mesmo veículo parou ao seu lado.

Quer uma carona?

- Não.

Paulo ignorou o sorriso de Elisabete e continuou caminhando. Ela desceu do automóvel e insistiu:

Não vim atrás de você para levá-lo de volta, Paulo.

- Então para que veio? – perguntou ele, parando e virando-se na direção dela.

- Para levá-lo para onde desejar. Venha. Sei que está voltando para sua casa e o caminho é longo.

Ele pensou um instante e resolveu aceitar a oferta. Mas sabia que havia algo por trás daquela atitude. Embarcou no lado do passageiro, mas nem olhou para ela.

Sabe, Paulo, eu não me dou por vencida facilmente, mas quando é inevitável, sei aceitar a derrota.

- Por que está dizendo isso? – ele olhou mais atentamente para ela, que dirigia muito calma.

- Nosso começo foi uma catástrofe porque eu vi em você um desafio e quis me divertir e provar que mais uma vez sou a melhor.

Elisabete olhava para ele com ternura quando podia desviar rapidamente os olhos da estrada. Aquela conversa começou a deixá-lo intrigado.

Mas eu brinquei com fogo e acabei me queimando. Estou apaixonada de verdade. Nunca senti isso antes na minha vida, Paulo, e me arrependo de fazer você sofrer como sofreu. Eu estou disposta a fazer qualquer coisa para compensá-lo das lamentáveis situações que eu criei.

- Não estou entendendo, Elisabete – Paulo remexeu-se no banco, preparando-se para mais uma tramóia dela.

- Eu amo você, mas não quero que fique preso a mim por obrigação. Já providenciei o cancelamento do contrato de casamento.

- Você o quê?

Elisabete estacionou o Scenic na frente da casa dele e desligou o motor.

Não é isso que você sempre quis? – falou ela, demonstrando surpresa.

- Sim, mas... Como mudou de ideia?

- Não sei, acho que o amor por você me transformou. Já não sou mais a mesma pessoa. Eu quero que você seja feliz com a Tatiana.

Paulo não acreditou no absurdo que estava ouvindo, porque as pessoas, principalmente Elisabete, não mudam de opinião de uma hora para outra. Ocorreu-lhe que ela não queria que ele a processasse como havia ameaçado. Talvez ela não quisesse sujar sua reputação.

Não tenho nada com a Tatiana – revelou ele, com cautela.

- Paulo, não precisa mentir, eu sei de tudo.

- Então imagino que saiba que ela me deu o fora – falou ele, ressentido.

- Ela fez isso? – Elisabete demonstrou incompreensão, mas sorriu intimamente. Mais uma vez saíra vitoriosa. Da primeira vez, não conseguira nocautear Tatiana, que sobrevivera por milagre. – Ela está confusa, você deve entender.

- Não, é pra valer.

- Quer conversar? Eu sou boa ouvinte. Prometo que não falo nada. Eu tenho certeza que posso consolá-lo.

Elisabete apagou a luz de teto do automóvel e aproximou-se dele, fazendo carícias que ele não reprovou.

Que tal entramos? – sugeriu ele.

Eles entraram na casa e Paulo agarrou Elisabete, beijando-a com urgência. Levou-a até o quarto e atirou-a contra a cama, deitando-se em cima dela e beijando cada parte de seu corpo. Elisabete sorriu, satisfeita com a vitória. A partir daquele momento, nada mais poderia aplacar a fúria dele. Enquanto sentia o sabor das carícias que ele fazia, ela ouviu-o sussurrar, mas não entendeu.

O que você disse, meu amor?

- Que eu perdi muito tempo pensando em uma mulher que não me merecia enquanto eu tinha uma mulher maravilhosa como você.

- Não precisa lembrar disso, meu querido, apenas me faça feliz...

Ele abriu a blusa dela e levantou a saia, enquanto ela gemia de ansiedade. Estava tudo certo como ela planejara e ela não cabia em si de contentamento. Ele tirou a camisa e continuou a beijá-la no pescoço, sussurrando, quando falou:

Você é muito melhor nisso do que matando. Para assassina você foi um fracasso.

- Você tem razão. Eu errei quando confiei demais em mim mesma e não fiquei para ter certeza do resultado. Mas como sabe que fui eu? – perguntou ela, quase inocente, jogando o jogo dele.

- Você acabou de confessar.

Dizendo isso, ele levantou-se, rindo zombeteiramente. Elisabete ficou enfurecida por ter caído na armadilha dele e levantou da cama atirando nele um objeto que apanhou na mesa de cabeceira.

Fora daqui, Elisabete! Minha casa não tem lugar para uma assassina.

- Não admito isso, ouviu? Exijo que você termine o que começou!

- Por quê? Vai tentar me matar também? – ele riu, sarcástico.

- Seu... seu nojento! Como é possível que você chegue até esse ponto e pare?

- Eu sou eu – respondeu ele. – Não sou qualquer homem que você coloca na sua cama.

Ela deu uma bofetada no rosto dele, mas Paulo não se moveu do lugar.

Você está querendo me convencer de que é íntegro – retrucou ela, recuperando o controle da situação. – De que é um homem fiel, leal, cheio de princípios e escrúpulos. Mas quero lhe avisar uma coisa – ela deu uma gargalhada que ecoou na casa silenciosa. – Um homem assim não existe!

- Engano seu, Elisabete – desta vez foi ele que riu. – Esse homem existe. Agora, saia daqui antes que eu tenha que usar métodos não muito sutis para te expulsar.

Elisabete parou diante dele com o olhar fulminando de ódio.

Você não tem como provar nada, meu bem – falou sarcástica.

- Fora!

Quando ela finalmente saiu, Paulo começou a rir e repetiu:

Ah, Elisabete, esse homem existe, não se esqueça disso.



CAPÍTULO 8 - PARTE I - A DECISÃO

Tatiana recebera alta naquela manhã, mas aquilo não a alegrou, pois não fazia a menor ideia para onde ir. Estava ansiosa e sentia calafrios percorrendo seu corpo. Pediu para ver o médico, mas este já havia deixado o hospital. Aquela sensação estranha a deixou assustada e ela imaginou que voltava a ficar doente. Ela trocou a camisola de algodão cru pelas próprias roupas, fazendo um esforço para fechar o zíper da calça jeans. Depois de ter ganho 5 kg a mais devido à medicação durante duas semanas era natural que sua roupa ficasse apertada, mas aquilo a deixara irritada. A roupa parecia sufocá-la e ela sentiu-se ainda pior. Mas controlou-se e passou a arrumar a cama e ajeitar o travesseiro. Colocou as caixas de remédios no centro da mesa de cabeceira e abriu a persiana para que a iluminação do dia penetrasse no quarto. Olhou para fora e suspirou. Segundo o médico, ela estava em condições de continuar uma vida normal. Mas que vida? E por que ela não se lembrava? Estava livre para sair, mas acorrentada a seu subconsciente.

Enquanto procurava recordar alguma coisa, ela deu um passo na direção da janela e olhou para o céu. Permaneceu momentaneamente quieta e imóvel. Observou a movimentação das nuvens que formavam estranhos desenhos. Então o sol apareceu e a cegou. Ela fechou os olhos e surgiram manchas coloridas dentro de suas pálpebras. Aquelas cores explodiam dentro de seus olhos e formaram um rosto. De repente, Tatiana escutou uma gargalhada e não tinha certeza de sua origem, pois parecia que a gargalhada vinha de dentro dela mesma. Olhou em redor e tapou os ouvidos, com um medo crescente. Até que a visão verdadeira se formou. Ela ficou paralisada e seu coração precipitou um descompasso acelerado enquanto ela se lembrava da dor no pescoço e imediatamente levou as mãos para se proteger. Ela viu que estava caída de lado no chão, procurando respirar, mas sem conseguir. Com um esforço enorme, ela se virou, mas não conseguiu levantar e viu o teto girar lentamente e depois aumentar a velocidade e aproximar-se dela e uma voz falar atrás dela, só que as palavras não pareciam fazer sentido. Ainda no chão, sem poder respirar, ela viu o fio preto do telefone e procurou alcançá-lo com uma das mãos, mas sem conseguir mover o corpo. Puxou o aparelho, que caiu ao seu lado e ligou para o primeiro ramal que veio em sua mente. Subitamente, sua mente ficou em branco. E voltou somente com o garotinho do outdoor ouvindo-o rir alto...

Tatiana procurou respirar e sentiu sede. Encheu um copo com água da jarra e bebeu em um gole só. Sentiu calor e uma dormência nas pernas e sentou-se na cama, respirando irregularmente. Fez outro esforço para lembrar a quem pertencia a voz que ela escutou enquanto estava caída e qual a mensagem que era dirigida, mas não obteve resultado.

Paulo abriu a porta devagar e pediu licença para entrar. Viu que Tatiana estava pálida e aproximou-se com cuidado.

Soube que está de alta – disse ele –, e vim oferecer para levar você para sua casa.

- Paulo, estou com medo.

Tatiana correu para os braços dele como uma criança assustada. Ele perguntou-lhe o que ela sentia, mas só respondia que tinha medo.

Pode confiar em mim, Tatiana. O que houve?

- Paulo, eu lembrei!

- Lembrou de quê? – Ele ficou momentaneamente esperançoso.

- Do dia em que quase morri.

- Ah... – ele sentiu uma pequena decepção. – Quer falar a respeito?

- Foi horrível...

- Eu sei, não precisa dizer nada...

Mesmo assim, Tatiana contou o que lembrava.

É melhor eu te levar pra casa. Vamos?

Tatiana, insegura, hesitou. Ficou olhando para ele, lembrando do que Elisabete havia dito. Sentiu o ímpeto de dizer para ele que era casado com sua melhor amiga, mas se conteve, pois não achou o momento oportuno. Decidiu por acompanhá-lo.

Ele pegou o braço dela para levá-la até o carro e viu quando ela parou diante do Pajero.

Tatiana, tudo bem?

Ela não respondeu. Ficou diante do veículo com o olhar distante.

Eu estou sentindo uma coisa estranha.

- Lembrou alguma coisa?

- Não, acho que não.

- Você está confusa. Impressiona-se com qualquer coisa.

Ela não quis discordar e por isso manteve-se calada durante o percurso. Quando Paulo parou o carro em frente da casa dela, sorriu e disse:

É aqui. Aqui estão suas chaves.

Ela pegou as chaves da mão dele e saiu do carro, encaminhando-se para o portão e enfiou uma das chaves no cadeado. Olhou uma vez para Paulo, que ficara encostado no carro, e ele fez um sinal para dar coragem a ela. Tatiana, então, subiu os degraus, abriu a porta e entrou. O ambiente era claro, iluminado pela luz do dia. Ela caminhou devagar, observando tudo, tocando nos móveis, abrindo a janela que ficava ao lado da cama. Ela virou-se e Paulo estava na porta, sorrindo para ela.

Eu comprei algumas frutas, leite, pão e nata. São coisas que você gosta.

- Verdade? Você conhece minhas preferências? – Tatiana riu pela primeira vez, sentindo-se mais à vontade e contagiou-o com sua alegria sincera. – Até senti fome. Obrigada.

- Não precisa agradecer. Quer que eu prepare alguma coisa para você comer?

- Não me diga que sabe cozinhar também?

- Faço uma lasanha de frango que é um espetáculo.

- Tô pra ver – desafiou ela, divertida.

- Você não vai querer dividir com ninguém. Vamos começar?

- Eu não lembro se sei cozinhar – disse ela, sorrindo.

- Mas aposto que cortar cebola, descascar alho e preparar um café pra gente você é capaz de conseguir – disse ele, irônico.

- Vamos ver o que posso arranjar.

Paulo não se sentia tão livre há muito tempo e Tatiana parecia uma moça normal e despreocupada. Ele pensou em como eles poderiam ser felizes se não existisse a sombra de Elisabete entre eles.

Jantaram juntos e terminaram de ajeitar a cozinha, quando subitamente, ficaram calados. Ele observava-a diretamente nos olhos e ela sentiu-se constrangida. Afastou-se dele e foi observar a noite.

Está uma noite linda – disse ela, tentando quebrar o constrangimento.

- Aposto que a lua não está mais linda do que o brilho de seus olhos.

Tatiana não se esquivou do toque dele, mas sentiu remorso de estar se apaixonando.

Paulo... não podemos – desculpou-se, desviando os olhos do olhar apaixonado.

- Eu te amo, Tatiana, se for preciso te conquistar de novo, eu vou fazer de tudo.

- Mas você é casado...

Ele parou, imaginando que ela recordara alguma coisa incompleta.

Sim, mas você sabe que meu casamento é de mentira e que eu não tenho nada com Elisabete.

- Elisabete? Então esse é o nome de sua esposa? – havia um pouco de mágoa na voz de Tatiana.

- Sim, você não se lembra o que ela fez para acabar comigo?

- Paulo, você está me confundindo e pra mim já chega. Eu agradeço por você estar cuidando da minha reabilitação durante esse tempo todo após o acidente, mas é só isso. Você é casado e eu sinto, apesar de não lembrar, que eu sigo princípios morais. Não posso agradecer sua atenção da maneira que você espera...

- Tatiana... – Ele não quis que ela continuasse e abraçou-a com força, beijando-a com desejo. Ela foi apanhada de surpresa e rendeu-se à explosão de sentimentos. – Eu te amo... Não me deixe...

- Não posso... – sussurrou ela.

- Pode, sim. Claro que pode. Escute o seu coração, Tatiana. O que ele diz a você sobre mim, sobre nós? – perguntou, enquanto a beijava.

Tatiana sentia que o amor era verdadeiro, mas enquanto não se lembrasse de tudo, não poderia tomar nenhuma iniciativa. A razão mandava ela parar, para não iludir Paulo e também lhe lembrava de que não deveria ser instrumento para a infelicidade da amiga. Seu coração estava dividido entre o amor que sentia e a empolgação de Elisabete. Não era justo estragar o casamento da amiga. Empurrou Paulo e fugiu dele.

Escute, Paulo, eu não te amo...

- Como você pode dizer isso, Tatiana? Você pode não se lembrar do dia em que nos entregamos ao amor, mas eu sei que posso te ajudar... – ele começou a ficar desesperado.

- Se fizemos isso, então foi um erro – falou ela, decisiva.

- Não faça isso comigo, Tatiana, por favor...

- Paulo, não torne isso difícil pra você. Hoje eu não sinto nada por você e se algum dia eu senti, pode ser que acabou. Como vou ter certeza?

- Eu já disse, eu vou te ajudar...

- Mas e a Elisabete?

- Ela não representa nada pra mim! – Ele gritou, tentando convencê-la.

- Paulo, de uma vez por todas, escute: eu agradeço tudo que você tem feito por mim, mas é só. Chega. Acabou.

Ela falou as palavras pausadamente e correu para a porta, a qual abriu e parou ao lado, aguardando que ele saísse. Quando olhou para ele, viu-o chorando e essa imagem partiu seu coração. Mesmo assim, ela manteve-se firme ao afirmar que não tinham chance. Paulo parecia esgotado das argumentações e estava visivelmente magoado com a atitude dela. Desistiu de lutar pelo amor dela e saiu. Tatiana fechou a porta e correu para a janela para vê-lo pela última vez. Assim que perdeu a visão do veículo, fechou a janela e atirou-se na cama, chorando convulsivamente.
Paulo, me perdoe – falou ela, agarrando-se ao travesseiro. – Me perdoe, meu amor, mas é para seu próprio bem.

E adormeceu chorando, após ter afastado definitivamente o grande amor de sua vida.


CAPÍTULO 7 - PARTE IV - UM BRINDE À ASTÚCIA



Elisabete chegou em casa e abriu uma garrafa de champanha para comemorar sua vitória. Quando o sujeito que contratara para representar um detetive lhe contou que a moça estava realmente apalermada, Elisabete duvidara, mas acabou se convencendo de que sua rival tinha mesmo perdido a memória após constatar, pessoalmente, o caso. Sabia que Tatiana daria um basta na insistência de Paulo e nada revelaria que sua melhor amiga era esposa dele. Ainda apostava nos princípios morais de Tatiana, que apesar de ter perdido a memória, certamente não os teria esquecido.

Augusto aguardava-a no escritório quando Elisabete entrou com a garrafa de champanha e dois copos. Brindou com ele seu sucesso e após algumas taças ela ficara embriagada.

Estou muito, muito, muito feliz! Eu sou o máximo, não é, Dr. Augusto?

- Isso é uma verdade incontestável, minha querida.

Ela rodopiou nos calcanhares e foi até a janela apreciar o pôr-do-sol. Augusto aproximou-se dela.

Hoje dei minha cartada final e vou consegui-lo, é só uma questão de tempo. Isso não é maravilhoso, doutor?

- Ele não a merece, Elisabete. Este sujeito a está fazendo sofrer. Há pessoas tão próximas e você nem percebe o que elas seriam capazes de fazer por você...

- Como?

Elisabete olhou para o lado instintivamente. Seu corpo estava leve, mas ela não deixaria que ninguém estragasse aquele momento de felicidade.

Onde está querendo chegar, Dr. Augusto?

- Não me chame de doutor. Já trabalho pra você há tanto tempo. Não acha que não precisamos mais de tanta formalidade? – arriscou ele, aproximando-se cautelosamente do corpo dela.

- Eu o pago para ser meu advogado e nada mais – falou ela, bruscamente.

- Eu a conheço bem, Elisabete. Estava esperando uma oportunidade para falar sobre o meu amor...

- Amor? – Elisabete caiu na gargalhada. – Não sabe que não acredito no amor?

- É o que você diz, mas não o que sente, a exemplo do que faz para conseguir este idiota que não percebe a mulher maravilhosa que você é.

Elisabete ficou furiosa e afastou-se dele.

Você sempre soube que eu quero satisfazer meu ego. Faz parte de mim conseguir tudo o que quero. – Augusto aproximou-se dela novamente, mas permaneceu calado. – E eu quero o Paulo, entendeu? Quando conseguir, vou colocá-lo no olho da rua.

- Sabe que não é mais possível, Elisabete. Você se apaixonou por ele.

- Mentira!

- Você só está enganando a si mesma, Elisabete. Percebe como dói amar uma pessoa que te despreza? E eu te amo.

Augusto aproveitara o momento e beijou Elisabete à força. Ela tentou se desvencilhar, mas logo não ofereceu qualquer resistência.

A noite caíra e o escritório estava às escuras. De repente, a porta rangeu e eles viram Paulo parado, observando-os quase nus.

Vocês dois se merecem – disse Paulo, afastando-se com tranquilidade.

- Paulo! – chamou ela, enquanto arrumava as roupas. – Cretino! Você estragou tudo!

Elisabete esbofeteou o rosto de Augusto e correu atrás de Paulo. Seu autodomínio a abandonara completamente e ela estava quase entrando em desespero. Ela o seguiu até a cozinha, procurando se  explicar. Paulo continuou impassível, enquanto bebia tranquilamente uma cerveja que apanhou na geladeira.

Paulo, por favor, me escute. Eu não tenho nada com ele.

- Você acha que me importo, Elisabete? Eu já desconfiava disso desde o início. Agora tenho argumento para entrar com o divórcio.

- Divórcio? Como assim, divórcio? Não tem o direito de fazer isso comigo, Paulo!

- Direito? Ouvi você falar em direito? E o que você fez comigo, você acha que é o quê? Calúnia, difamação, ameaças. Você forjou provas contra mim, me mandou pra cadeia, pagou pra me tirarem de lá, me obrigou a assinar um contrato de casamento que lhe dá concessão para jogar-me no lixo assim que for satisfeita e, como se tudo isso não fosse bastante, tentou assassinar a mulher que amo!

Quando terminou, ele estava alterado, mas sentiu confiança e continuou blefando.

Tenho como provar. Tenho testemunhas de que você esteve no local da tentativa de homicídio.

Elisabete descontrolou-se por completo. O desespero tomou conta dela. Ela percebeu que estava perdendo Paulo e ficou enlouquecida.

Paulo, eu amo você, não vê que quero você a todo custo? Eu seria capaz de rastejar aos seus pés para implorar seu amor. Não me abandone.

- Confesse! Você tentou matar Tatiana!

- Não!

Elisabete atirou um copo contra ele, que se desviou a tempo de não ser atingido. Em seguida, ele retirou-se da cozinha. Ela continuava enfurecida e quebrou tudo que estava ao seu alcance. Augusto apareceu no momento em que a crise dela passara.

Seu imprestável! Traidor! Você fez de propósito, não foi?

- Engana-se, Elisabete. Não foi premeditado. Agora, acalme-se.

- Ele vai me deixar, Augusto! – Ela agarrou-o pela camisa e começou a chorar. – Você tem que fazer alguma coisa.

Augusto a abraçou e acariciou seus cabelos. Suspirou pois não gostava de vê-la sofrer. Amava-a verdadeiramente e bastava um pedido seu que ele faria sem hesitar.

Elisabete, escute. Já tenho um plano. Deixe-me encaminhar tudo e amanhã conversaremos, ok? Por hora, peço que vá tomar um banho e depois vá se deitar.

- Promete que vai me ajudar?

- Prometo – respondeu ele, antes de sair apressadamente.