Minha foto
Joinville, Santa Catarina, Brazil

OS CONTADORES DE HISTÓRIAS - 2ª PARTE



Benedita deixou o automóvel no estacionamento do hospital e caminhou rapidamente na direção dos jovens que a aguardavam.

- Bom dia, crianças! – cumprimentou ela, com entusiasmo. – Desculpem o atraso, mas o trânsito está impossível hoje.

- Não faz mal, professora Benedita. A Vera também não chegou – respondeu Cláudia.

- Ela infelizmente não vai participar hoje. Ela me ligou esta manhã – disse Benedita, com pesar. – A irmã de Ricardo desapareceu ontem de manhã.

- A Patrícia? – perguntou Fernanda, assustada com a notícia.

- O que houve com ela? – indagou Danilo.

- Saiu mais cedo do colégio e não voltou para casa. A mãe dela, a D. Adelaide, pensou que ela estava com as amigas, mas foram elas que telefonaram procurando por Patrícia.

- Será que ela não saiu com o namorado dela, aquele bonitão da polícia? – perguntou Cláudia.

- Creio que não – respondeu Benedita. – Ela sempre avisa aonde vai, mesmo quando sai com ele.

- O coitado do Ricardo deve estar maluco atrás dela – deduziu Fernanda.

- Agora é com a polícia, crianças. É uma pena, mas nós não podemos mover uma palha. Vamos, estamos atrasadíssimos.

Benedita era professora de Língua Portuguesa na universidade e coordenava há algum tempo o projeto “Os Contadores de Histórias”. Ela levava aos hospitais um pouco de alegria com suas histórias adaptadas ou inéditas. Benedita, com sua baixa estatura, de pequena não tinha nada. Era decidida e mansa. Todos os seus alunos a adoravam. Os rapazes gostavam de espalhar seu cabelo curto para vê-la esbravejar e sabiam que no fundo ela gostava dessa intimidade. No começo, ridicularizaram-na por seu hábito de chamar de crianças os marmanjos para quem lecionava, mas com o tempo, ela foi ganhando um espaço especial no coração deles e aos poucos, Os Contadores de Histórias ganhava novos integrantes.

O grupo dirigiu-se ao saguão do hospital. Não era hora de visitas, mas eles foram carinhosamente recebidos na recepção.

- Vocês já conhecem o caminho melhor do que eu – comentou a recepcionista, sorrindo.

Cada funcionário que encontravam os cumprimentava alegremente. Benedita era muito querida por todos.

- Aqui, crianças. Vamos tomar o elevador.

Eles caminhavam rapidamente pelos corredores iluminados e estreitos. Cláudia e Fernanda seguiam logo atrás de Benedita e Danilo. Cláudia observava as pessoas nos quartos e os cumprimentava, pois já os conhecia da recuperação. Subitamente, viu uma moça com ferimentos no rosto, e parou.

- Ela é nova por aqui? – perguntou Cláudia para uma enfermeira que ia passando.

- Sim.

- O que houve com ela? – insistiu a visitante.

- Ela foi vítima de violência... hum... masculina – respondeu a enfermeira, desprovida de emoção.

- E quem é ela? – continuou Cláudia, logo que se recuperou do choque que a notícia lhe causara.

- Infelizmente, não posso dizer. Sua identidade está sendo mantida em sigilo.

A enfermeira se afastou, enfastiada pelas perguntas e Cláudia permaneceu parada na frente da porta.

- Ah, você está aqui! Cláudia, a professora Benedita está uma fera com você! Acho bom você inventar uma boa desculpa – disse Fernanda, puxando Cláudia pelo braço.

- Não dá nada – falou Cláudia, com ar despreocupado. – Nada que uma boa dor de barriga não resolva.

- Você é impossível – respondeu Fernanda, rindo da gracinha.

Cláudia, ainda intrigada, observou o número do quarto e seguiu a amiga.

.......

- ... E o lobo soprou, soprou, soprou e derrubou a casa de palha que o porquinho tinha construído – narrou Benedita.

- Você é muito mau, seu lobo feio! – disse Cláudia, mostrando a língua para Danilo, que interpretava o Lobo Mau.

- Eu vou pegar você, seu porquinho gordinho! E vou te comer no jantar!

As crianças acompanhavam a história cada qual em seu leito e riam, divertidas, esquecendo momentaneamente as suas dores. Algumas haviam sofrido fraturas ou intoxicações e estavam em observação, aguardando alta e eram as que mais se empolgavam. Porém, uma menina de oito anos que também havia sido trazida para participar era portadora de câncer ósseo e ficava imóvel, sem demonstrar interesse pela história. Benedita procurava animá-la, dirigindo algumas perguntas referentes à história, mas a criança continuava impassível.

Antes que pudessem contar o final da história, a menina começou a berrar de dor e pediu ajuda. Uma enfermeira rapidamente injetou uma seringa com medicação no soro, mas a pobre criança se debatia e chorava, provocando nas outras crianças medo e inquietação. Cláudia e Fernanda, por sua vez, não puderam acompanhar o desespero da menina e saíram do quarto.

- É melhor vocês voltarem outro dia – sugeriu a enfermeira, enquanto preparava outra seringa, e Benedita e Danilo obedeceram prontamente, indo encontrar as duas moças no corredor.

- Por que eles não a ajudam? – perguntou Cláudia, com voz sumida.

- Nem sempre é possível – respondeu Benedita, compreensiva, mas também com o coração dilacerado. – Vamos andando. Infelizmente hoje não podemos continuar.

- Calma, professora. – Já passamos por isso muitas vezes, não se lembra? – disse Danilo, procurando amenizar o sofrimento dela, enquanto caminhavam em direção ao elevador.

Benedita pediu que Danilo a deixasse sozinha e entrou cabisbaixa no elevador. Ele não contrariou sua decisão e aguardou Fernanda e Cláudia que finalmente o alcançaram.

- Puxa! Vocês pareciam um furacão! – reclamou Cláudia.

- Desculpem. Vocês sabem como a professora é sentimental. Vamos indo? – perguntou ele, logo que as portas do elevador se abriram. Os três entraram e permaneceram em silêncio até chegarem ao térreo. Danilo ofereceu carona, e antes que Fernanda pensasse em aceitar, Cláudia rapidamente respondeu:

- Obrigada, mas nós duas temos outros planos.

- Tudo bem. Tchau.

Fernanda esperou que Danilo se afastasse e perguntou curiosa:

- Cláudia, que planos nós temos?

- Vem comigo!

Cláudia e Fernanda seguiram pelos corredores até pararem diante da porta de um quarto, onde puderam observar o policial fardado conversando com a moça que se encontrava imóvel no leito.

- Qual é o problema, Cláudia? O que você perdeu aqui? – perguntou Fernanda, um pouco aborrecida.

- Fica quieta, Fernanda. Não consigo ouvir o que ele diz.
   
No quarto, o policial acariciava o rosto da garota e segurava sua mão, enquanto chorava.

- Meu Deus, Paty! O que eu deixei acontecer a você? – perguntava-se, observando os hematomas que a deixaram quase irreconhecível. – Me conte, Paty, quem foi o desgraçado que fez isso com você.

A garota observava-o, mas não emitiu uma única palavra. Apenas chorava copiosamente em um silêncio absoluto e como resposta, fechou sua mão sobre a mão de Antônio.

- Eu vou matar o filho da mãe que causou esse sofrimento a você! – berrou Antônio, tão revoltado com o agressor quanto indignado com sua própria impotência.

- É bom arrumar um bom advogado para sair dessa encrenca, policial Antônio.

Antônio virou-se bruscamente na direção da porta e avistou o delegado acompanhado pelo pai de Patrícia. Este último, cego de ódio, avançou em sua direção, sedento por fazer justiça com as próprias mãos, mas foi controlado por um detetive que acompanhava o caso.

- O que está acontecendo, delegado? – perguntou Antônio, sem entender a situação.

- Recebemos uma denúncia anônima de que você teria espancado Patrícia – disse Ivan –, e o Sr. Ronaldo, o pai da moça, entrou com a acusação.

- Mas que acusação? – perguntou Antônio, cada vez mais perplexo.

- Você está sendo acusado de estupro e tentativa de homicídio. Mas aguardará seu julgamento em liberdade, porque não houve flagrante. Você conhece a lei – explicou Ivan, contrariado com a atitude que estava tomando, porque duvidava que Antônio fosse realmente culpado.

- Ivan, você me conhece – defendeu-se Antônio, tentando esclarecer o mal-entendido. Você conhece os meus princípios e é testemunha da minha integridade. Como pode acreditar que eu tenha agredido a mulher que amo?

Ronaldo não suportou o cinismo, desvencilhou-se do sujeito que o segurava e agarrou Antônio pelo colarinho, ameaçando-o. Apontou a filha encolhida no leito, assustada com a discussão deles, fragilizada pelo tratamento que recebera e, diante do silêncio dela, teve ainda mais certeza de que Antônio era o responsável por seu sofrimento.

- Você não entende como dói para um pai ver sua filha neste estado – finalizou Ronaldo, subitamente cansado, largando Antônio. – Suma daqui, seu delinquente! Só quero vê-lo nos tribunais!

Antônio sentia que o mundo girava enquanto analisava a atitude de Ronaldo, que não fazia questão de ouvir, porque para ele já estava tudo devidamente esclarecido. Antônio seria julgado e condenado injustamente e mesmo a falta de provas não convenceria Ronaldo do contrário. Ainda olhou para Patrícia e resolveu sair para respeitar seu repouso. Andou às cegas pelo prédio, como se não sentisse onde pisava, e finalmente chegou ao jardim, onde encontrou um banco para se sentar. Abaixou a cabeça nas mãos e começou a chorar e soluçar.

Cláudia e Fernanda, que assistiram à discussão, seguiram Antônio e pararam na frente dele. Calmamente, ele ergueu a cabeça e olhou para as duas moças.

- O que querem aqui? – perguntou o homem, com raiva, provocando sobressaltos nelas. – Não sabem que sou um estuprador? Afastem-se de mim!

Elas entreolharam-se e Cláudia tomou a palavra.

- Sabemos que o senhor não é nenhum estuprador, policial.

- É – continuou Fernanda. – Nós vimos que o senhor gosta muito dela.

Antônio respirou profundamente e desabafou:

- Eu a amo.

- Seus olhos confirmam isso – disse Cláudia. E estendeu sua mão, em um gesto de apoio. – Se precisar de ajuda, pode contar conosco.

Ele parou um segundo, absorvendo as palavras de apoio. Surpreendeu-se por alguém estar do lado dele quando nem mesmo Patrícia o defendera e levantou do banco para apertar a mão estendida.

- Obrigado por acreditarem em mim. Mas vocês são jovens demais e não devem se meter nisso. Ouviram?

Fernanda e Cláudia cruzaram os dedos atrás das costas.

- Sim. Prometemos esquecer isso.

Depois de apertar a mão de Fernanda, ele se afastou em direção à viatura, ligando o motor e dando uma arrancada no carro. As moças caminharam caladas até a portaria.

.......

Cláudia e Fernanda voltaram a encontrar Danilo no intervalo das aulas vespertinas. Contaram o caso e ele confirmou as suspeitas.

- Acho que vocês não deveriam confiar nesse cara, porque as publicações todas o acusam.

- Mas, Danilo, ninguém ouviu a versão dele ainda – retrucou Cláudia, inconformada.

- Você ouviu o próprio delegado Ivan confirmar a denúncia. Na mídia saiu que testemunhas viram um sujeito com corpo sarado, de boa estatura, vestido com uniforme da polícia, espancar Patrícia e obrigá-la a entrar na viatura. Eles têm todas as provas e o caso é indefensável – afirmou.

- Mas você sabe que provas podem ser forjadas e se tiver um interesse maior um pouco de propina compra qualquer testemunha...

- Oi, gente – interrompeu a loira que se juntou ao grupo.

- Como está o Ricardo, Vera? – perguntou Fernanda.

- Ele está arrasado.

- Como tudo aconteceu, Vera? – indagou Cláudia.

- Ela saiu mais cedo do colégio ontem de manhã, só que não chegou em casa. A mãe dela achou que ela tinha ficado direto porque tinha trabalho à tarde. Mas quando os amigos da Paty ligaram para perguntar por que ela estava atrasada, a D. Adelaide se desesperou.

- E como foi que encontraram ela? – foi a vez de Danilo, para confirmar o que lera nos jornais.

- Os pais dela ligaram pra polícia. Vocês sabem, lá eles começam a procurar só depois de 24 ou 48 horas, não lembro bem, e não fizeram nada. Mas mesmo assim, D. Adelaide e o Seu Ronaldo conseguiram uma equipe de busca. A Paty foi encontrada inconsciente aqui perto, em um rancho abandonado.

- E como é que eles descobriram que foi aquele policial? – foi a vez de Fernanda.

- Não sei. A Paty gostava dele. Ela me contou um dia que queria se casar, mas o pai dela não aprovava o namoro deles, porque o cara é bem mais velho que ela.

- Agora o pai dela está achando que o policial quis vingança – deduziu Cláudia.

- Mas deixa essa história pra eles resolverem sozinhos. Eu vou à festa da fraternidade hoje – falou Vera, cortando o assunto.

- Mas e o Ricardo, Vera? Com esse problema, ele tem cabeça pra festa?

- Ele não quer mais sair comigo – reclamou Vera. – Nós já tínhamos combinado. Comigo trato é trato. Se ele não quer ir, o problema é dele. Eu vou sozinha.

- Vera?! – exclamou o grupo, reprovando sua atitude.

- Nem vem! Eu sei o que faço. Vejo vocês na festa.

- Nós não vamos, porque queremos ser solidários com o Ricardo.

- Muito bem. Azar de vocês.

Vera afastou-se deles, caminhando atrevidamente ao lado de um garoto.

- Que egoísta! – recriminou Fernanda. – Infantil, cabeça-oca...

- Eu nunca a vi perder uma festa, desde que entrou na universidade – comentou Danilo. – Mas um dia ela vai aprender a não trocar os amigos por festas.

Cada universitário tomou seu rumo. Cláudia e Fernanda encontraram-se com a professora Benedita no corredor.

- A Patrícia estava lá hoje à tarde. Vocês a viram, não foi?

- Sim, D. Benedita. Sentimos muito por ela ter passado essa tristeza.

- Eu sei, queridas. Mas por que não me avisaram? Eu também gostaria de tê-la visitado.

- Desculpe, professora, mas eu não sabia de nada – disse Fernanda. – Fui atrás dessa louca aqui.

- Fernanda, não sou louca! – reclamou Cláudia. – Eu também não sabia que era a Patrícia. Foi coincidência.

- Tudo bem – falou Benedita. – Mas graças a Deus, já descobriram o bandido. Ele está sob custódia.

- Prenderam o Antônio? – perguntaram as moças, alarmadas, porque sabiam que ele era inocente.

- Mas não é justo! Ele ama a Patrícia. Não pode pagar por um crime que não cometeu.

- Vocês estão me surpreendendo, crianças. E me assustando também. Fiquem longe dele. Antônio é um psicopata – alertou ela, franzindo o cenho. Benedita então foi chamada por  outro professor e as garotas aproveitaram a deixa para dar o fora dali.

- Amiga, nós precisamos fazer alguma coisa – falou Cláudia, sem fôlego. – O Antônio vai parar no presídio de segurança máxima se não tirarmos essa história a limpo.

- Cláudia, agora deu para investigações criminais? Não temos nada a ver com essa história. Esquece isso!

- Não posso fingir que não sei de nada! E se você é minha amiga de verdade, vai me ajudar.

- Cláudia, esse papo te subiu pra cabeça. O que nós, simples estudantes, seremos capazes de fazer? Pensa um pouco. – Fernanda estava contrariada.

- Muita coisa – respondeu Cláudia, determinada. – E começaremos agora mesmo.

- Ah, é?

- É. Vamos direto pra delegacia.

Fernanda viu o brilho nos olhos de Cláudia e pressentiu que ela não iria desistir enquanto não provasse a inocência de Antônio. Cláudia sempre fora muito decidida e detestava injustiças. Estava sempre do lado da verdade e do amor. Desde que presenciara a cena no quarto, soube que Patrícia e Antônio se amavam de verdade e faria o impossível para uni-los novamente. Dona de personalidade forte, Cláudia dificilmente fracassava.

Enquanto refletia sobre a atitude que a amiga estava tomando, Fernanda ficara imóvel e nem percebera que Cláudia já estava longe. Sabia que não adiantava tentar dissuadi-la de procurar o delegado e correu atrás dela para prestar todo seu apoio.

OS CONTADORES DE HISTÓRIAS - 1ª PARTE



O carro de polícia fazia sua ronda no bairro. Lentamente os reflexos das árvores plantadas na calçada atravessavam o pára-brisa.

- Tudo OK por aqui – disse o motorista, através do rádio. – Acabou meu plantão.

Ele recebeu resposta e desligou o aparelho. Ajeitou os óculos escuros e guiou a viatura para uma área mais tranquila, estacionando na frente de uma casa cercada por altas grades de alumínio. Buzinou discretamente e logo uma moça apareceu no portão. Feliz, ela embarcou rapidamente no banco do passageiro e deu um beijo estralado no motorista.

- Oi, Tony. Eu pensei que você nunca mais iria chegar!

- Mas estou aqui. Sou todo seu agora, Paty.

Patrícia beijou-o avidamente, mas ele protestou, aplacando com delicadeza o furor da namorada adolescente.

- O que acha de darmos um passeio?

- Que legal! Eu vou adorar – respondeu ela, alegremente. – Então, aonde vamos? – perguntou ansiosa.

- Surpresa... – disse ele, divertindo-se com a curiosidade que despertara nela. – Mas vou dar uma dica: é bom você levar uma roupa de banho.

- Tá legal. Volto num minuto.

Enquanto ela se deslocava agilmente para dentro de casa, Antônio observara sua energia e vitalidade e suspirou. Estava apaixonado por Patrícia. Sorriu satisfeito quando ela voltou e novamente o beijou.

- Você é impossível, Paty.

- E você, irresistível!

Ele deu a partida no automóvel e seguiu para o local planejado.

Enquanto Antônio dirigia, Patrícia se calou e passara a observá-lo. De vez em quando ele lançava um rápido olhar para ela e sorria. As lembranças então vieram uma a uma e a garota deixou o olhar perdido no homem que amava para mergulhar em seus pensamentos.

..........

Conhecera Antônio no colégio onde estudava, por ocasião de uma campanha de combate às drogas e à violência. O projeto era uma iniciativa da polícia militar e Antônio dava palestras sobre o tema. Devido a seu porte atlético, ele provocava suspiros em todas as adolescentes, mas somente Patrícia sentiu desde o primeiro instante que ele seria o namorado ideal e tratou de lutar pelo amor dele. Antônio, por sua vez, se esquivou de todas as estratégias de conquista desenvolvidas pela garota, alegando a diferença incontestável de idade entre eles. Ele era o tipo de homem íntegro e refletia muito bem sobre todas as atitudes que tomava. Por esta razão, repudiava a ideia de um relacionamento com uma adolescente.

Mesmo assim, Patrícia insistira e casualmente fora criando um vínculo de amizade com Antônio. Ela percebera desde o início que a dedicação ao trabalho era o ponto forte dele e usara aquilo como forma de se aproximar e declarar o amor que sentia. Tanto empenho acabou por derreter o coração de Antônio, até que ele se entregou à paixão que estava crescendo de maneira disciplinada, mas constante.

Finalmente, Antônio estacionou o veículo logo após ter atravessado o pórtico de acesso ao parque aquático.

- Meu amor, que lugar maravilhoso! – exclamou Patrícia, saltando do carro para olhar melhor.

- Eu frequentava este parque aquático quando tinha a sua idade. Claro que, naquela época, nem sonhava em descer de tobogan.

- Como assim, minha idade? Você só tem 34, seu bobo!

- E você 16. Com tantos garotos te admirando, você foi logo escolher um vovô para amar.

- Tony, eu amo você e não os outros! – protestou ela, abraçando-o e cochichou no ouvido dele. Antônio riu alto e pressionou-a contra o peito.

- Não sabe como eu te amo, Paty.

- Ah, sei sim! Pode apostar que sei. E o passeio que você me prometeu?

- Vamos lá – disse ele, oferecendo o braço.

Eles deixaram o veículo no estacionamento e caminharam pela passarela que dava acesso às piscinas e à casa colonial que servia de vestiário, onde entraram para vestir as roupas de banho. Em seguida, continuaram caminhando, observando tudo com interesse crescente.

O parque fora construído em um vale e a paisagem formada pela vegetação nativa e pelos jardins resultava em um visual de rara beleza. Um riacho canalizado acompanhava a passarela, cercada de troncos de árvores pintados de branco, criando um efeito contrastante em relação ao verde da grama e dos cedros. Em alguns pontos do riacho, pequenas pontes fascinavam com a sugestão de trilhas ecológicas. As casas eram pequenas, possuíam várias janelas minúsculas e cada uma possuía um vaso de flores. O acabamento das paredes era branco e rugoso, dando a impressão de que era feito de papel crepom. Acima das janelas, troncos roliços formavam os caibros e as telhas brilhavam com o sol. Da metade para baixo, as paredes eram formadas por pedras incrustadas impecavelmente montadas. Alguns cogumelos de gesso enfeitavam o gramado e o local inteiro estava extremamente limpo, apesar das dezenas de pessoas que ali se encontravam. Ainda havia um moinho desativado, que servia como atração turística.

Finalmente, a enorme piscina onde terminava o tobogan recebia a iluminação solar em meio aos galhos das árvores que a circundavam. Mais adiante, outra piscina ornamental sofria pequenas ondas em sua água límpida. Para a esquerda, subia uma escadaria que dava acesso a uma casa maior, onde residiam os proprietários do recanto. A casa era construída de pedras e troncos de árvores envernizados, e as janelas eram formadas por grades menores com contornos delicados.

Uma roda de carroça dependurada em um tronco por uma corrente delimitava o acesso aos visitantes, que ali apenas tiravam fotos. O equilíbrio entre a natureza e o elemento humano era impressionante, e a leveza de espírito impulsionava as pessoas em sua diversão e relaxamento.

Patrícia procurou imaginar aquele local deserto e silencioso em um entardecer. Era romântico e exótico. Em um piscar de olhos, ela voltou à realidade da poluição sonora provocada pelas pessoas e seguiu o impulso de correr até a piscina.

- O último que chegar é mulher do padre! – exclamou Patrícia, saltando na água.

Antônio seguiu-a e atirou-se na água. Ficou de pé, tirando do rosto o excesso de água. Quando finalmente podia enxergar, exclamou:

- Não, Paty! – Já era tarde demais. Com as pernas magras muito ágeis, ela atirou nele uma cachoeira de água e ria, enquanto ele tentava se defender. – Agora eu vou te pegar, sua danadinha!

Antônio jogou-se sobre ela e levantou-a facilmente no colo, trazendo-a de volta à borda da piscina.

- Viu? Te peguei. Qual é o seu último pedido?

- Fazer amor com você... – sussurrou ela, sensual como uma mulher, mas inocente como a adolescente que era na verdade.

Antônio não respondeu e ficou sério de repente, desviando os olhos para algumas crianças que brincavam perto deles.

- Você é muito jovem, meu bem – respondeu, finalmente.

- Jovem? Só porque eu nunca...

- Não, não é isso. Eu tenho idade para ser seu pai.

- Ah, seu bobo! – protestou ela. – De novo com essa história? Eu estou aqui, estou pedindo... Não sou tão bonita como você gostaria, não é?

- Oh, Paty... – Ele sentiu-se arrependido por estar evitando aquilo. - Eu amo você e quero fazer as coisas do jeito certo. Quero falar com seus pais primeiro.

- Mas, Tony... eles não precisam saber.

Patrícia magoou-se com a rejeição e sentiu súbita vontade de chorar. Ela amava Antônio e seu desejo de se entregar a ele era intenso, quase uma necessidade para provar o que dizia sentir. Assim, ela saiu da piscina e caminhou a passos largos até uma pequena escadaria, onde sentou. Depois de alguns minutos, Antônio aproximou-se do local onde ela estava e ficou de pé, com os braços abertos, sorrindo para ela. Patrícia esperou um segundo para entender a sugestão dele e se atirou nos braços abertos que em seguida se fecharam, aninhando-a, acalmando a tempestade que ela criara.

- Desculpe, Paty. Não tive intenção de magoar você.

- Eu é que peço desculpas. Eu sempre quero fazer as coisas do meu jeito. Mas você tem razão. Quero que meus pais aceitem nosso namoro.

Antônio e Patrícia caminhavam de mãos dadas, conversando alegremente e de vez em quando paravam para se beijar rapidamente. Pararam na ponte e apoiaram-se no cercado, imaginando o mundo quando estivessem juntos, fazendo planos, trocando confidências, expondo desejos.

Enquanto o casal conversava, um sujeito uniformizado que fazia a limpeza próximo da ponte, observava a jovem com visível interesse e algo que pensou contraiu seu rosto em um sorriso de satisfação. Ele ajuntou as folhas secas e disfarçadamente seguiu Antônio e Patrícia quando estes foram ao vestiário. Depois disso, o estranho sumiu no meio dos visitantes.

Mais tarde, Antônio deixou Patrícia na porta de sua casa.

- Estamos de volta.

- Vamos nos ver amanhã? – perguntou ela, com voz chorosa.

- Não, querida. Tenho treinamento na corporação. Mas te dou um alô assim que me dispensarem.

Uma terceira pessoa chamou pelo nome de Patrícia e o casal virou-se abruptamente para a porta de entrada da casa. Parada na varanda e visivelmente contrariada, a mãe da moça chamou-a novamente. Patrícia andou rapidamente na direção de casa e Antônio aproveitou para acenar para a mãe dela com educação. Esta, porém, não retribuiu o gesto e fechou a porta assim que a filha entrara.

Antônio ficara imaginando que Patrícia sofreria nova repreensão, como acontecera todas as vezes que saíra com ela. Tanto a mãe quanto o pai não consentiam com o envolvimento entre ela e Antônio, pois provinham de famílias tradicionais e preconceituosas, em que a educação rigorosa não abria espaço para mudanças nos costumes. Antônio decidiu por se apresentar o quanto antes para os pais da namorada e convencê-los de que suas intenções com a filha eram dignas. Sorrindo com o pensamento, ele ligou o veículo e se foi.

Enquanto isso, Patrícia era severamente repreendida pela mãe, que mesmo ciente de com quem a filha se encontrava, ameaçava contar ao pai sobre a continuação de seu relacionamento com o policial.

- O nome dele é Antônio, mãe! – exclamou irritada com a maneira pela qual a mãe se referia ao namorado. – An – tô – nio! Ouviu?

O desabafo de Patrícia contrariou a mãe ainda mais, e esta obrigou a filha a se afastar de Antônio. Patrícia, ressentida, correu para o quarto, onde chorou.

- Por que eles não entendem? O Tony é a última pessoa que me faria mal.

Finalmente se acalmou e tratou de reunir argumentos para convencer a mãe a aceitar seu namoro. Sua mãe era muito boa, mas o defeito era sua submissão ao pai, que tornava tudo mais difícil. Então, ela desceu, disposta a conversar melhor com a mãe.

- Mãe... – chamou ela, quando entrou na cozinha. – Eu queria falar com você.

- Se quer me convencer a mudar minha opinião, pode esquecer – interrompeu a mãe, secamente.

- Eu sei que você quer o meu bem, mas não tem o direito de me privar da felicidade – começou Patrícia, com doçura.

A mãe largou os afazeres e olhou melhor para a filha. Então tiveram uma longa conversa, que fez Patrícia readquirir ânimo e esperança. Ao final da conversa, a mãe anunciou:

- Muito bem, vou dar uma chance.

Patrícia abraçou a mãe e beijou-a no rosto diversas vezes, agradecendo pela compreensão.

- Mas não se esqueça – tornou a mãe –, você tem apenas dezesseis anos e, portanto, ainda deve obediência a seu pai.

..........

Após uma boa noite de sono, Patrícia se sentia revigorada. Ansiava por um novo encontro com Antônio, entretanto, tinha obrigações para cumprir, como ir ao colégio pela manhã e se reunir com uma equipe de colegas para dar continuidade a um trabalho extraclasse. Ela suspirou e ganhou coragem para enfrentar o dia atribulado.

Mais tarde, quando concluiu a prova, Patrícia foi liberada mais cedo e resolveu ir para casa e adiantar algumas coisas. Ela caminhava distraidamente pela calçada, enquanto pensavam em suas tarefas.

De repente, uma viatura de polícia cortou sua frente quando a garota resolveu atravessar a rua e ela recuou para a calçada. Ela então imaginou que fosse Antônio e aguardou sorrindo, enquanto a porta do motorista se abria. O sorriso foi sumindo de seu rosto quando o policial saiu de dentro do veículo e andou em sua direção. Ele empunhou uma arma de fogo e ameaçou-a, agarrando-a com brutalidade. Ela tentou reagir, mas foi agredida no rosto, perdendo o equilíbrio e a força.

- Entra aí, doçura! – ordenou o sujeito, empurrando-a para dentro do veículo. – Agora nós vamos dar um gostoso e merecido passeio.

OS CONTADORES DE HISTÓRIAS - SINOPSE



Antônio, policial com carreira já estabelecida, e Patrícia, estudante do ensino médio, se apaixonam, porém, os pais da garota se opõem a esse romance precoce. E antes que Antônio e Patrícia possam viver o seu amor, ela torna-se vítima de violência e as provas apontam o namorado como responsável.

Enquanto todos acusam Antônio, Cláudia e a amiga Fernanda, jovens universitárias que participam do grupo de Contadores de Histórias, se envolvem no caso com o firme propósito de restabelecer a união do casal. Para tanto, Cláudia não mede esforços e nem se resigna quando a situação se torna mais difícil, transmitindo mensagens de otimismo e esperança mesmo quando tudo parece irremediavelmente perdido.

CAPÍTULO 11 - VIAGENS E HISTÓRIAS


Tatiana segurou firmemente a mão de Paulo enquanto aguardava ansiosamente a decisão do juiz. Outras audiências haviam acontecido durante as semanas que se passaram, mas aquela audiência era decisiva.

O juiz, um senhor já experiente e respeitável por sua boa reputação, leu mentalmente a sentença, refletindo antes de anunciar o veredicto. Observara mais uma vez a ré e sentiu pesar, porém, analisou a votação dos jurados que, por unanimidade, decidiram a vida da acusada e, optando pela justiça, acima de qualquer circunstância, finalmente anunciou:

- As denúncias levantadas e comprovadas neste tribunal contra Elisabete Schroeder são gravíssimas e o júri decidiu, por unanimidade, que a ré é culpada! Mas, tendo em vista seu atual estado de saúde, cumprirá pena de vinte anos em regime semiaberto em local apropriado para sua reabilitação física e moral.

Tatiana e Paulo abraçaram-se aliviados pelo fim da perseguição e foram cumprimentados por todas as pessoas presentes, inclusive os representantes do Consórcio Optical e Integração. Paloma, Natália, Luíza e Valéria vibraram e, enquanto o recinto estava em clima de festa, Mauro e Laércio aproximaram-se para cumprimentar Paulo.

- Parabéns, Paulo – falou Mauro, apertando firmemente a mão de Paulo.

- Obrigado.

- A justiça foi feita, afinal! – afirmou Laércio, enquanto cumprimentava o ex-funcionário. – Estamos aqui para fazer uma proposta. Estamos precisando de um novo supervisor de L.A. Então, nos lembramos de você.

Paulo surpreendeu-se com a facilidade com que uma pessoa muda de lado e pensou um instante, tomado de um súbito orgulho. Ao seu lado Tatiana aguardava, sorrindo tranquilizadoramente. Paulo então, observando-lhe o ventre levemente dilatado, sentiu que havia chegado o momento de optar pela família que desejava formar, e aceitou o emprego de volta.

Elisabete, por sua vez, estava sentada na cadeira de rodas, com o rosto e as mãos totalmente coberto por ataduras. Havia tido lesões de terceiro grau, perdera quase todos os dedos das mãos, o cabelo caíra, as pernas e braços ficaram atrofiados e seu rosto agora estava irremediavelmente deformado. Pela primeira vez ela chorou, odiando ter sobrevivido. Como se não bastasse, meses após o acidente, fora julgada e condenada e nem todas as cirurgias plásticas ajudariam a restabelecer seu rosto desfigurado.

- Vamos, querida – falou Augusto, empurrando a cadeira de rodas. – Vamos apelar da sentença. Vai dar tudo certo.

Ele sorriu. Sabia que Elisabete não poderia oferecer mais nada, mas mesmo assim, ele decidira tomar conta dela até seu último dia de vida, pois o amor que sentia superava o aspecto horrível causado pelo acidente. Discretamente saiu da sala de audiência com Elisabete sendo conduzida por um policial.

Enquanto isso, Tatiana observava Elisabete até ela sumir pelo corredor e ficou momentaneamente triste.

- Não está contente? – perguntou Paulo, subitamente preocupado com ela.

- Sim e não. Acho que ela não merecia tanto...

- Ela apenas colheu o que plantou. Não se preocupe mais com ela, combinado?

- Sim.

Paulo, Tatiana, a família e os amigos formavam um grupo eufórico e tagarela e tomaram o corredor que dava para a saída. Quando chegaram à saída do prédio, foram barrados por uma senhora com aparência distinta, que pediu um momento para falar com Tatiana.

- Meu nome é Joana d’Ávilla e sou editora. Soube de seu trabalho, Tatiana, e gostaria de conhecê-lo melhor – explicou a mulher, com cortesia.

Tatiana ficou paralisada com a surpresa e ficou imaginando de que forma aquela senhora chegara a conhecê-la, pois jamais tinha divulgado seu trabalho antes. Ainda em silêncio, Tatiana sondou o rosto de Paulo e como se pudesse ler os seus pensamentos, sorriu para ele, entusiasmada:

- Foi você? Mas, como?

- Isso é um segredo – disse ele, com ar casual.

Paulo sorriu para ela e se sentiu grato quando ela lhe abraçou comovida. As lágrimas que rolavam em sua face naquele momento eram lágrimas de esperança, um presente para uma pessoa que mereceu conquistar a vitória, porque batalhou pelo sonho. As dificuldades apareceram, mas ela não desistiu nunca.

Natália, muito contente e orgulhosa, foi ao encontro de Tatiana para lhe dar os parabéns e contar que passara para um cargo efetivo dentro da empresa. Paloma, que acompanhava a cena em silêncio juntamente com as outras amigas, refletiu como o sonho de Tatiana era importante. Sentiu-se arrependida por não ter dado o devido valor às “viagens” da amiga e sorriu, envergonhada. “Afinal, viajar faz mesmo parte de sua alma”, pensou ela.





Paulo pousou o arranjo de flores sobre a lápide de mármore, e leu a inscrição onde constava o nome de Evelin e uma mensagem de saudades. Afinal, agora ele se sentia feliz novamente, livre do remorso e mais preparado e disposto para aproveitar a nova chance que recebera. Conquistara não somente uma carreira profissional, como também ganhara uma nova esposa e um filho que tanto desejara. Então abraçou Tatiana, que permanecia calada, tentando compreender os sentimentos dele.

- Se ela estivesse viva, hoje seria seu aniversário – disse ele, suspirando, – mas quem ganhou o presente fui eu.

Tatiana olhou para ele com curiosidade.

- Como assim?

- Deus me deu uma família. – Ele tocou na barriga saliente e sorriu, enquanto segurava a mão de Tatiana e brincava com a aliança. Havia deixado seu passado para trás para viver uma nova vida, definitivamente reencontrando seu equilíbrio, acreditando sempre em sua dignidade e agradecendo por todas as experiências enfrentadas e por tudo que conquistara.

- Isso vai render uma bonita história – comentou Tatiana, com tranquilidade. – Eu sou incorrigivelmente favorável a um final feliz.

Paulo sorriu, concordando, pois naquele momento acreditava realmente no que ela afirmava e acrescentou:

- Não somente a um final feliz, mas também a um novo começo.

Abraçaram-se e caminharam lentamente lado a lado, enquanto conversavam e faziam planos para sua nova vida.



Fim

CAPÍTULO 10 - PARTE III - DO OUTRO LADO DA LINHA


Paulo chegou finalmente ao sítio que Elisabete descrevera. Quando avistou o Scenic, seu coração descompassou temendo que Tatiana estivesse sendo torturada. Desceu do automóvel que emprestara e observou a mata silenciosa, a casa, o rancho. Toda aquela paisagem era desoladora, porque não havia ninguém naquele lugar sombrio. O sol, que brilhava intensamente momentos antes, fora oculto por nuvens escuras de chuva. Uma ventania começara a soprar criando redemoinhos de folhas secas em volta dele.

Então avistou a estrada que parecia levar para dentro da mata e seguiu por aquele caminho até o rio, onde atravessou com cautela, observando a pequena queda d’água que provocava barulho. Subiu a colina e olhou ao redor. Um cheiro de óleo diesel dominava o ar e Paulo deduziu ser proveniente das máquinas paradas ao lado de um barracão. A densidade das nuvens trazia maus presságios  e ele novamente sentiu medo.

Quando se afastou do rio escutou um choro que vinha do barracão e seguiu adiante, esquecendo seus receios.

- Tatiana! Tatiana! – Ele encontrou-a amarrada e amordaçada e correu para socorrê-la. Viu no chão a poça de sangue e a perna ferida e abraçou Tatiana com ternura. – Meu amor, o que foi que ela fez a você...

Tatiana gemia desesperadamente e sinalizava com os olhos para trás de Paulo. Ele se apressou em retirar sua mordaça, mas antes que ela proferisse alguma palavra, Elisabete encostara o revólver na cabeça dele, que levantou vagarosamente seus braços.

- Ora, veja só! Tatiana, não disse que seu herói tentaria salvá-la?

Paulo respirou profundamente, pensando em uma maneira de deixar Tatiana em segurança.

- Elisabete, o que há? – perguntou ele, com calma. – Você me quer, estou aqui. Não acha que podemos parar de brincar de gato e rato?

- Não, está tão divertido...

Ela afastou-se e começou a caminhar cautelosamente em torno dele, que continuava ajoelhado no chão de frente para Tatiana. Paulo sinalizava para Tatiana manter a calma, mas ela chorava copiosamente. Um ou outro soluço cortava o ar e no mais, Tatiana estava em profundo silêncio.

- Isto é entre eu e você, Elisabete – tornou ele, com firmeza. – Envolver mais pessoas não vai resolver nosso impasse.

- Pode ser. – Elisabete caminhava em círculos, observando o casal com atenção. – Mas creio que não tenhamos mais nenhuma chance.

- Vamos, Elisabete, faço tudo o que você mandar.... – Ele abaixou os braços, levantou-se e virou-se na direção de Elisabete, que havia sentado em uma grande pedra afastada do barracão.

- Não se mexa!

- Calma, eu só quero olhar para você.

- Você teve todas as chances do mundo para olhar para mim, mas nunca deu a mínima.

- Não é verdade – retrucou.

- É verdade, sim. Você estragou tudo. – Ela ficou subitamente em silêncio. Abaixou a arma e olhou a paisagem. – Está vendo isso aqui? Foi de meu pai. – Em sua voz havia tristeza, talvez remorso, e Paulo continuou em silêncio observando o momento oportuno para desarmá-la. – Quando ele morreu, eu vendi esse lugar para uma próspera empresa de terraplenagem, onde possuo uma parcela razoável de ações. Meu pai era um homem muito rico, proprietário de metade deste lugar: terras férteis, mata nativa, água em abundância... mas, com toda essa fortuna, eu nunca pude usufruir por causa do advogado dele.

- O que houve? – Cautelosamente, Paulo deu alguns passos na direção dela.

- O advogado conseguiu convencer meu pai de que eu era irresponsável e inconsequente e não saberia administrar a herança, porque eu queria tudo a um só tempo, não refletia sobre a utilidade das coisas que consumia. Então, eu só poderia conseguir a herança quando me casasse e tivesse um filho com meu marido. Eu tentei evitar que essa cláusula tivesse validade, mas quando envenenei o café do advogado com mão branca já era tarde. Meu pai já havia assinado o testamento e este já havia sido lavrado em cartório.

- Você assassinou o advogado de seu pai com veneno de rato? – Paulo sentiu náuseas.

- Sim – afirmou ela, tratando do assassinato como uma banalidade. – Rapidamente contratei o Dr. Augusto, que controlou a situação. Mas não houve jeito de alterar o testamento, mesmo que tentássemos argumentar que meu pai tivesse sido influenciado a tomar a decisão. Assim, eu precisava me casar o quanto antes.

- Aí eu apareci – deduziu ele, sentindo-se parte do jogo sujo. A partir daquelas confissões, ele começou a compreender toda a perseguição que sofreu. – Por que eu, Elisabete? O seu doutor não servia para seus préstimos?

- Não. Desde a primeira vez que te vi me apaixonei loucamente e quis você a todo custo – revelou ela, com amargura. – Mas você nunca me aceitou.

- Você me chantageou o tempo inteiro, Elisabete! Chama isso de paixão?

- Eu ofereci tudo, você poderia ter o mundo a seus pés, mas teve a infeliz ideia de se aproximar desta criatura desprezível!

Tatiana encolheu-se, como se as palavras de Elisabete a tivessem chicoteado.

- Elisabete, escute – continuou Paulo, tentando tranquilizá-la. – Tatiana sofreu um acidente, e não se lembra de nada. Portanto, não representa uma ameaça para você.

- Você acredita mesmo que ela não se lembre de nada? – Elisabete riu, achando graça das próprias palavras. – Vai me dizer que acredita também em anjos, duendes e fadas... – Paulo enrugou a fronte e olhou bruscamente para Tatiana, que baixou a cabeça, evitando olhar para ele. – Vamos, Tatiana, confesse que você o enganou – insistiu Elisabete. – Aproveite também para comunicar sua gravidez.

Tatiana engoliu em seco ao enfrentar o olhar indignado de Paulo.

- Tatiana, é verdade? Você está grávida? – Ele aproximou-se dela e ajoelhou-se em sua frente. – Meu filho?

- Sim, Paulo – afirmou Elisabete antes que Tatiana respondesse. – É essa mulher que você ama? Que escondeu de você toda a verdade e ainda por cima não lhe confiou o filho que está esperando?

- Por que não me contou? – perguntou ele, sacudindo-a. – Por que não me contou?

- Eu quis te proteger – respondeu Tatiana, enquanto chorava.

- Me proteger? Você acha que está me protegendo escondendo meu filho de mim?

Ele levantou-se e afastou-se dela, sentindo-se traído. Tatiana caiu em um choro convulsivo e Elisabete sorria enquanto observava o desentendimento deles.

- É, Paulo – tornou Elisabete, levantando calmamente da pedra, com a satisfação visível em seu semblante –, acho que suas mulheres sempre o decepcionam, não é mesmo? Primeiro sua amada Evelin, agora essa mentirosa da Tatiana.

Paulo respirava profundamente, procurando organizar seus sentimentos. Estava decepcionado sem dúvida nenhuma e os comentários de Elisabete contaminavam ainda mais sua mente.

- Mas fique certo de que todo esse sofrimento tem data e horário para terminar. Quem vai ser o primeiro? Você ou ela?

Elisabete apontou o revólver na direção dele, em seguida apanhou o isqueiro. – Pensando bem, posso acabar com os dois, ou melhor, os três, ao mesmo tempo.

- Não, Elisabete! Não faça isso – pediu ele, voltando a ficar nervoso e angustiado. “Deus, nos ajude por favor!”, implorou ele, acompanhando as reações de Elisabete.

O dia continuava nublado e a aproximação de uma trovoada carregava o ambiente. As árvores deitavam-se com o vento e algumas nuvens que se chocavam entre si lançavam línguas de fogo no céu. Um trovão isolado estremeceu a terra. Elisabete continuou brincando com o revólver e com o isqueiro, ameaçando ora atirar ora atear fogo no barracão.

Subitamente o vento trouxe som de sirenes que tocavam bem longe dali, mas que alertaram Elisabete. Ela permaneceu em silêncio, procurando distinguir aqueles sons que ora se aproximavam ora se perdiam com as rajadas de vento. Quando não mais ouviu as sirenes, Elisabete deu continuidade a sua vingança. Disparou um tiro na direção de Paulo, mas, inexplicavelmente, o tiro não o atingiu e se perdeu na vegetação. Elisabete, sem compreender como errara, ficou atônita.

Naquele momento, som de portas sendo batidas fez com que ela virasse bruscamente, avistando uma equipe de policiais civis e militares e um grupo de resposta tática, o GRT, vindo ao encontro deles. Logo atrás, Augusto os seguia.

- Elisabete – chamou ele –, por favor, se renda ou eles vão matar você!

- Augusto? Como me encontrou aqui? – A surpresa com toda aquela multidão provocou a ira dela.

- Eu já convivo com você há bastante tempo para poder entender sua psicologia – respondeu Augusto, tentando se aproximar dela. – Eu vim para te defender, querida, e te levar para uma clínica de recuperação.

- Clínica de recuperação? Que piada!

Ela correu na direção do barracão e levantou Tatiana do chão. Esta gritou de dor e continuou chorando, implorando pela vida do filho. Paulo foi protegido pelo esquadrão de elite, mas se recusava a se afastar de Tatiana.

- Não podem me prender aqui! – exclamou ele, tentando desvencilhar-se dos policiais que o seguravam. – Ela vai matar minha mulher e meu filho!

- Nós tomaremos conta deles! – informou o comandante da operação, que se dirigiu para o barracão.

- Deu tudo certo! Nós conseguimos alertar a polícia com sua ideia do cruzamento das linhas telefônicas, mas Elisabete fugiu do meu controle – lamentou Augusto, aproximando-se de Paulo.

- Quando me procurou para ajudá-lo a prender Elisabete, você garantiu que não envolveria a Tatiana, seu mentiroso! – Paulo soltou-se dos homens e avançou contra Augusto, pronto para dar-lhe uma surra, mas foi novamente contido pelos policiais.

- Não foi culpa minha, também quero a segurança da mulher que amo...

- Acontece que a mulher que você ama está a um passo de matar a mulher que eu amo! – rosnou Paulo. – E você sabia o tempo todo que ela está grávida!

- Calma, senhor! – interferiu o policial, que se identificou como detetive. – No momento, ela e o bebê estão a salvo, porque Elisabete precisa deles para se proteger. A nossa equipe de resgate possui treinamento para esse tipo de situação. Veja!

Paulo olhou na direção indicada. O lugar estava todo cercado por atiradores. Havia homens armados atrás das retroescavadeiras e sobre o morro que ficava atrás do barracão, ocultos pela vegetação e por grandes monturos de pedras resultantes da exploração do rio. O grupo era controlado por um homem, que se comunicava através do rádio.

- Não façam nada antes que eu dê a ordem, entendido? – alertou o comandante da operação.

Uma dezena de atiradores estava com Elisabete em sua mira, prontos para disparar. Entretanto, Elisabete continuava mantendo Tatiana em seu poder, segurando-a pelos braços amarrados nas costas, com seu revólver apontado para a cabeça dela.

Tatiana, por sua vez, observava toda a movimentação através da visão turva. Estava procurando manter suas forças para proteger Paulo e quando o viu em segurança próximo do grupo de policiais, ela começou a ceder. De repente, devido à dor torturante na perna machucada, ela entregou-se ao cansaço, caindo de joelhos no terreno árido. Elisabete segurou firmemente o cabelo de Tatiana, mantendo sua cabeça levantada e, em seguida, soltou uma gargalhada doentia antes de iniciar a contagem regressiva.

Subitamente, Tatiana teve a sensação de que flutuava, semelhante ao dia que fora estrangulada. A dor sumira, não havia mais nenhum som e nenhuma chance. Sua linha de visão parecia apresentar tudo em câmera lenta, e Tatiana observou assombrada Elisabete acendendo o isqueiro. As forças tinham-na abandonado e ela não conseguiu correr. Assim, fechou os olhos e rezou:

- Deus, precisamos de ajuda! Nos salve!

De repente, ouviu-se um disparo e Tatiana caiu no chão. Paulo gritou seu nome e correu até ela enquanto Elisabete era arremetida contra os tambores de combustível, derramando o restante do conteúdo e causando a primeira explosão.

- Evacuar! Evacuar! – ordenou o comandante enquanto ajudou Paulo a resgatar Tatiana. Carregaram-na para perto das viaturas paradas no alto da colina. Em seguida, sucessivas explosões lançaram pedaços de madeira incendiados para todos os lados e todos se protegeram atrás dos veículos. As chamas ganharam altura por causa do vento forte.

Quando as explosões terminaram, Elisabete correu do local do acidente como uma tocha humana, gritando de horror. Os policiais apanharam extintores de incêndio e socorreram-na.

Tatiana foi desamarrada, mas continuava inconsciente. Paulo segurou-a no colo, afastando o cabelo desgrenhado do rosto sujo de fuligem, terra e sangue. Lágrimas saltaram de seus olhos, pois ele imaginava que ela não tinha sobrevivido. Um dos médicos que acompanhara a operação aproximou-se para examiná-la.

- A pulsação está fraca. Rápido! Precisamos levá-la para a ambulância!

- Tatiana, por favor, aguente firme! – pediu Paulo, chorando muito.

Enquanto ele soluçava, ela abriu os olhos e sorriu para ele.

- Que coincidência... – falou ela, com a voz fraca, inconsciente de onde estava. – Eu estava agora mesmo sonhando com você...

Paulo parou de chorar e abraçou-a, rindo e agradecendo a Deus pelo milagre. Os policiais até então apreensivos, vibraram de alegria e cumprimentaram-se.

- Acabou, meu amor – falou Paulo, acariciando o rosto dela e beijando-a docemente nos lábios. – Está tudo bem agora.

- Não está mais zangado comigo? – indagou ela, seu corpo flexível e sem forças.

- Não, não estou. Eu te amo, nunca se esqueça disso.

- E o bebê... o nosso bebê? – lembrou-se, em pânico.

- Ele também está a salvo... – falou, carinhosamente tocando na barriga dela.

Os paramédicos levaram-na para a ambulância e seguiram para o hospital. Uma equipe continuou no local para terminar de controlar o fogo, ajudada por uma chuva fina que começara a cair na região.


CAPÍTULO 10 - PARTE II - DO OUTRO LADO DA LINHA



A delegada Rosana e o policial Luiz invadiram a casa de itaúba à procura de Elisabete. Revistaram os cômodos e encontraram o dossiê jogado no chão, perto da porta. Também observaram os objetos quebrados no escritório.

- E agora, delegada?

Rosana voltou rapidamente para a viatura e comunicou-se pelo rádio.

- Acione todas as viaturas e mande que interditem as saídas principais da cidade. Estamos lidando com uma assassina em potencial e é preciso ter cautela. Mande uma equipe para vigiar esse lugar. – Ela virou-se para o policial e continuou: – Fique aqui até a equipe de investigação chegar. Preciso tomar algumas providências.
- Certo, delegada!


Tatiana chegou ofegante à casa dos pais e percebeu que não se enganara ao ver o Scenic estacionado próximo do portão de entrada. Ela respirou profundamente, procurando coragem para enfrentar Elisabete, e então entrou.

- Elisabete! Que surpresa! Veio me visitar? – perguntou Tatiana, tentando representar.

- Sim, querida Tati! Aproveitei também para conhecer sua família. Eles são adoráveis.

Tatiana olhou para a mãe e o pai e as duas irmãs para se certificar de que estavam bem.

- Ela disse que é sua amiga – declarou a mãe, inocentemente.

- Ah, claro mãe. Ela é minha amiga, sim.

- Exatamente, e como amiga vim aqui para oferecer alguns cuidados indispensáveis para a futura mamãe.

- Futura mamãe? Do que está falando? – Tatiana sentiu o mundo girar.

- Ora, meu bem, não precisa disfarçar. Eu já sei de tudo.

Tatiana olhou assustada para sua família, imaginando que eles tivessem contado o segredo para ela e ficou ainda mais zonza quando todos negaram com um discreto balançar de cabeça. Elisabete então continuou, mudando drasticamente seu tom de voz:

- Além disso, não precisa mais fingir a amnésia. Sei que é farsa sua.

- Mas então o que quer? – Tatiana sentou-se em uma cadeira, tentando controlar seus nervos.

- Como eu disse, a sua família é muito querida e eu não gostaria de fazer mal a eles – ironizou, enquanto retirava o revólver da bolsa e apontava na direção da irmã mais nova que se encolheu com medo.

- Não! Por favor, não atire! – implorou Tatiana, levantando-se e parando em frente à arma engatilhada. Seus olhos encheram-se de lágrimas. – Deixe-os em paz, eu faço tudo que você quiser...

- Ah, agora estamos nos entendendo. Venha comigo, Tatiana! – ordenou ela, apontando para o veículo. – Depressa, entre no carro! E quanto a vocês, espero que fiquem bem quietinhos. Eu vou levar a filha e o neto de vocês para dar um longo passeio.

Impotentes, os pais de Tatiana viram-na ser levada e quando o veículo sumiu no horizonte, todos entraram em desespero.



Tatiana estava imóvel em seu lugar no banco do passageiro, rezando para Elisabete não disparar a arma que mantinha apontada o tempo inteiro para ela enquanto dirigia pela estrada rural. Não fazia a menor ideia para onde estava sendo levada e observava com temor constante e crescente as plantações intermináveis.

Elisabete cantarolava a música que tocava em seu aparelho no automóvel e mantinha a guarda em Tatiana. De vez em quando lançava um olhar fulminante para a moça. Sua segurança inabalável provocava em Tatiana pânico ainda maior.

- Para onde estamos indo, Elisabete?

- Você já vai saber.

Elisabete desligou o som e parou o carro em uma casa abandonada no final da estrada. A casa estava depredada e o mato tomara conta. Limoeiros e pessegueiros dividiam lugar com a vegetação que crescera assustadoramente. Um tanque de pesca ficava há alguns metros da casa e a cerca de arame que o circundava servia de apoio para maracujazeiros carregados de frutas verdes. Atrás da casa, um rancho abrigava alguns equipamentos agrários e ferramentas enferrujadas.

Assim que Tatiana desceu do veículo, pode ouvir o som de cachoeiras e sentiu calafrios.

- Onde estão os moradores deste lugar?

- Não se preocupe, meu bem. Ainda não chegou a pessoa que vai testemunhar a sua morte. Vá andando!

- Porque você me trouxe para cá, afinal? Se vai me matar, porque não acaba com isso de uma vez?

- Nossa, que corajosa – zombou Elisabete, conduzindo a prisioneira para o rancho onde apanhou uma corda para amarrar as mãos de Tatiana. – Você vai ser a minha isca.

O sol estava aproximando-se de seu horário de maior incidência, mas as árvores o ocultavam à medida que as mulheres adentravam na floresta. O barulho do rio ficava mais audível e a mata parecia apinhada de olhares curiosos de pássaros e animais silvestres. Alguns metros adiante a estrada terminava na beira de um riacho raso.

- Atravesse! – ordenou Elisabete e Tatiana deu os primeiros passos dentro da água gelada, tentando equilibrar-se com as mãos amarradas.

Assim que chegaram à outra margem e subiram uma colina, avistaram duas retroescavadeiras que estavam inoperantes. Ao lado, uma construção precária abrigava alguns galões de combustível. O sol voltara a bilhar sem nenhum obstáculo na área devastada da vegetação nativa. Elisabete obrigou Tatiana a sentar-se do lado de fora do barracão e amarrou-a em uma pilastra.

- Está preparada para ser devorada pelos abutres, querida? Finalmente você vai sair do meu caminho.

- Tenha piedade, Elisabete. Eu imploro! – Tatiana começou a respirar sofregamente e gotas de suor formaram-se em suas têmporas.

- Piedade? – Elisabete riu. – Mas vamos ter ainda muito tempo para conversar. – Ela fez uma ligação no celular. – Olá, meu bem! Escute quem está aqui comigo... – Elisabete acocorou-se ao lado de Tatiana, pressionou a arma em seu pescoço e encostou o celular no rosto da garota. – Fale, sua imprestável!

Tatiana transpirava e mal podia engolir, pois o cano de metal feria sua garganta. Ela respirava irregularmente, mas se recusou a falar quando ouviu a voz de Paulo no aparelho.

- Fale! – Elisabete engatilhou a arma e pressionou-a contra o ventre de Tatiana. – Senão ele morre primeiro!

- Paulo – disse ela, com voz trêmula.

- Tatiana? – Do outro lado da linha, Paulo teve um sobressalto. – Tatiana, você está bem? Onde você está?

- Não sei – respondeu ela, enquanto continha o choro. – Paulo, desculpe...

Elisabete afastou-se dela e voltou a falar com Paulo.

- Viu? Agora acredita em mim?

- Elisabete, é a mim que você quer, não machuque a Tatiana – pediu ele, engolindo em seco.

- Pode deixar.

Elisabete aproximou o aparelho do revólver e disparou. Tatiana deixou escapar um grito estridente. Paulo ouviu o disparo e andou às cegas pela casa.

- Não! – gritou ele. – Elisabete, você não...

- Calma, querido. Esse foi só o começo. Ela ainda está viva.

- O que quer que eu faça? – Ele levou as mãos à cabeça tentando conter seu desespero.

- Venha buscá-la. Se demorar muito, pode chegar aqui e ter uma surpresa.

- Onde?

Ele rapidamente rabiscou as coordenadas em um pedaço de papel.

- Sem truques, Paulo. Venha sozinho, entendeu?

- Sim, mas deixe eu ouvir Tatiana mais uma vez.
Ela aproximou-se novamente de Tatiana, que gemia de dor.

- Satisfeito? – Em seguida, ela desligou o aparelho.

- Elisabete? Alô, Elisabete? Droga!

Paulo cobriu o rosto com as mãos e imediatamente fez uma ligação.

- Escute – falou ele ao telefone –, nós não temos mais tempo. A Elisabete sequestrou a Tatiana.

Paulo informou a direção para onde Elisabete havia levado Tatiana e desligou o aparelho. Em desespero, esfregou os olhos para conter as lágrimas, levantou os braços para o céu e orou. Depois que a esposa havia falecido, ele se revoltara contra Deus e praticamente abandonara sua fé. Sentindo culpa, responsabilizava o Criador pela solidão e dificuldades que vivia constantemente. Entretanto, naquele instante ele percebeu que Deus havia dado a ele uma nova chance quando conhecera Tatiana e pediu perdão por todos os seus erros. A comoção invadiu seu ser e, aliviado, Paulo chorou, pedindo ajuda para salvar a mulher que amava.  Em seguida, confiante e com nova coragem, saiu correndo para o lugar indicado.



Enquanto aguardava a chegada de Paulo, Elisabete rondava o lugar e torturava psicologicamente sua prisioneira, que ficava cada vez mais abalada e mais fraca devido ao ferimento na perna.

- Que romântico – dizia ela, ironicamente. – O seu herói virá salvá-la.

- Elisabete – Tatiana estava ofegante. – O que pretende?

- Você é muito curiosa e está me irritando. Aliás, você é insuportável. Mas não vou precisar olhar para você por muito tempo. Quando ele chegar, aí a família estará completa e eu poderei dar meus parabéns.

Ela bateu palmas devagar enquanto sorria, ironicamente. Depois colocou o revólver no cós da calça jeans e seguiu para o barracão. Arrastou um dos galões e deitou-o, enquanto olhava divertida para o líquido espalhando-se no chão. Ela rolou o tambor para perto de Tatiana, observando com divertimento o medo estampado no semblante dela.