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Joinville, Santa Catarina, Brazil

CAPÍTULO 6 - PARTE II - O CRIME


Tatiana contara toda sua história e, no final, Natália abraçou-a.

- Amiga, você tem uma barra pesada pela frente, mas não desista, viu? Você merece toda felicidade do mundo. No final, tudo vai dar certo.

- Obrigada, Natália. Eu sabia que podia contar com seu apoio.

- Agora preciso ir, estou atrasada para o colégio. Tchau!

Assim que Natália saiu, Tatiana voltou ao trabalho.




Natália saiu da empresa e ficou surpresa quando viu Luíza e Paloma.

- Ué? Vocês não iam embora?

- A gente ia, sim, mas ficou batendo papo e nem viu o tempo passar – falou Luíza.

- Você nem imagina quem passou por aqui todo feliz, Natália – comunicou Paloma.

- Quem?

- O Paulo, aquele mala que ia se casar com a Tatiana. Ele sorriu e disse tchau, até parecia gente. Acho que o casamento fez bem pra ele – continuou Paloma.

- Pode ser – concordou Natália, rindo porque conhecia bem a razão que o transformara. – Olha, eu não quero ser estraga-prazeres, mas estou atrasada – alertou.

- Ah, meu Deus! – exclamou Luíza, apavorada. – Vou perder minha aula! Tchau, gente!

- Espera, eu vou com você – disse Natália, enquanto se despedia de Paloma.

As duas apressaram o passo para chegarem a tempo de tomar o ônibus no terminal norte e Paloma atravessou a rua, pois morava em uma casa que fazia frente com a empresa. Antes de abrir o portão, porém, ela viu uma sombra movimentar-se e ficou inquieta.

- Deve ser minha imaginação – resignou-se, entrando na casa.



Assim que ela sumiu, a pessoa que estava à espreita saiu de seu esconderijo e atravessou a rua, encaminhando-se para a porta que dava acesso ao interior da empresa. Girou o trinco, mas o sistema interno de travamento estava acionado. Naquele instante, viu a luz na cozinha do andar superior ser acesa e um funcionário colocar a cabeça para fora da janela.

- Está precisando entrar? – perguntou o rapaz.

- Sim.

- Espere um minuto que já estou descendo. – O rapaz levou um minuto para descer e, ao abrir a porta, olhou para o sujeito com uniforme e boné e se afastou para que ele pudesse entrar. – Você é novo por aqui? – perguntou antes que o instalador desaparecesse no corredor.

- Sim.

- Ah, eu também. Está no plantão noturno?

- Sim.

- Tchau. Bom trabalho. 

- Igualmente.




Tatiana olhou o relógio. Passava das 19:30 e ela suspirou. A pilha de ASLA’s para conferir parecia não ter diminuído e a moça começou a sonhar com a publicação de suas histórias. Ela amava escrever e, apesar de não ter nenhuma expectativa a curto prazo para conseguir a publicação, não desistia de seu sonho.

Seus pensamentos foram subitamente interrompidos pelo ranger da porta e ela virou-se para ver o instalador entrar. Antes que ele pudesse dizer algo, ela perguntou sobre blocos de ASLA.

O sujeito pigarreou e perguntou:

- Como?

- ASLA, blocos de ASLA. Não foi isso que veio buscar? – perguntou ela, inocentemente enquanto o observava.

- Sim.

- Quantos? Um ou dois?

- Ãh, um... não, não, dois.

- Eu vou buscar em um minuto. Enquanto isso, você pode colocar a sua produção na caixinha ali na estante.

Ela deu as costas para ir até o depósito, mas antes que pudesse dar cinco passos, sentiu um fio ser tencionado em torno de seu pescoço e não conseguiu mais respirar. Suas mãos imediatamente tentaram libertá-la do fio, porém, estava perdendo as forças à medida que lhe faltava o ar. Deixou-se desabar no chão, onde seu corpo convulsionava violentamente à procura de ar. Um espasmo atingiu o boné do instalador, que caiu no chão revelando uma cabeleira loira.

- Desgraçada! Isso vai te ensinar a não se meter comigo!

- Eli... sabete? Por quê...

Ela deu outra volta com o fio telefônico no pescoço de Tatiana até esta ficar completamente imóvel. Elisabete ajeitou o cabelo sob o boné e manteve o olhar fixo no corpo imóvel. Os olhos de Tatiana estavam saltados, a boca entreaberta, a pele começara a ficar arroxeada, o peito já não arfava como há um minuto. Sua rival estava definitivamente fora de ação e Elisabete sorriu com a vitória tão fácil. Ela saiu com tranquilidade, satisfeita por atingir seus objetivos.





CAPÍTULO 6 - PARTE I - BANCO DE HORAS


Após três semanas de férias, Tatiana voltou ao trabalho. Entrando no setor, apressou-se a abraçar Natália, com cuja amizade sempre pudera contar.

- Como está, Tati? 

- Eu estou tão feliz, Natália! Tenho uma coisa muito importante para dizer.

- Dá pra ver que você está mesmo feliz. E aí, “viajou” muito nas férias?

- Sim, mas desta vez eu fui até o céu – disse Tatiana, transbordando de felicidade.

- Ãh? Como assim? – Natália curvou as sobrancelhas diante do comentário enigmático. – Tati, você está muito misteriosa... o que aconteceu?

- Você nem imagina...

- Fala logo...

- Eu encontrei o...

Luíza e Paloma entraram na sala, interrompendo a conversa, e logo foram dando as boas vindas para Tatiana, que as abraçou amistosamente.

- Depois falamos – disse Tatiana a Natália, que aguardava a revelação. – Ei, meninas, a Valéria já chegou?

- Ainda não – respondeu Luíza. – Parece que ela vai participar de um treinamento na matriz hoje e amanhã.

Tatiana não ficou muito satisfeita com a notícia, porque desejava falar com a supervisora sobre a compensação de horas da semana que ela tirara para se recuperar do suposto choque emocional com o casamento e pretendia zerar seu banco de horas o quanto antes. Assim, resolveu conversar com Luíza e esta telefonou para Valéria. Dentro de instantes, Luíza informou que Valéria estaria na empresa antes do meio-dia devido à prorrogação da data do treinamento de líderes na matriz da Optical. Tatiana agradeceu e retomou seu trabalho, embora as atividades que ela realizava dentro da empresa estivessem muito distantes de seus ideais, pois ela sonhava em ser uma romancista de verdade e publicar as histórias que escrevia. Como mera auxiliar administrativa, ela se via na obrigação de contar com o que tinha. Suspirou e começou a avisar o corte de rede, telefonando para cada assinante dos 120 telefones apontados em seu relatório. Aquela atividade não lhe animava, pois, tal qual uma gravação, repetia a mesma informação tantas vezes quantas fossem necessárias.
À tarde, Tatiana encaminhou-se para a sala da supervisora e combinou o horário para compensação de horas. Quando passava das 18 horas, ela estava exausta. Em seu primeiro dia enfrentar uma jornada de trabalho de doze horas não era tarefa fácil.

- Tati, tem certeza de que quer ficar? – perguntou Paloma, enquanto desligava seu computador.

- Claro, já conversei com a Valéria e está tudo acertado para eu trabalhar até as 21 horas de hoje até quinta.

- Então tá, tchau.

- Eu também queria ficar para adiantar o serviço, Tati, mas você sabe, eu tenho curso – explicou Luíza.

- Não precisa me dar satisfações. Eu estou cumprindo a minha obrigação – respondeu Tatiana, com naturalidade.

- E você, Natália? – perguntou Luíza, observando que ela ainda continuava digitando. – Ainda não vai?

- Eu vou ficar mais um pouco, porque quero terminar esse lote – argumentou Natália, apontando para a pilha de documentos que aguardavam lançamento no sistema. – Tem algum problema?

- Não, mas não se esforce muito. Precisa prevenir a LER (Lesão por Esforço Repetitivo), tá bom?

- Tá legal.

- Tchau pra vocês. Vamos, Paloma!

Assim que as garotas saíram do departamento, Natália aproximou-se de Tatiana. 

- Que bom que você ficou – alegrou-se Tatiana, sorrindo para a amiga. – Eu preciso muito conversar com você. Senta aqui!

- Então me conta tudo, não esconda nada – brincou Natália.

Tatiana riu e começou a falar do amor que sentia por Paulo e narrou o encontro. Cada palavra fazia seus olhos brilharem e sua felicidade contagiou Natália, que sorria emocionada.

Enquanto isso, Luíza e Paloma seguiam pelos corredores na direção da saída, acenando para os companheiros dos outros departamentos que também encerravam o expediente. Pouco a pouco a empresa foi ficando vazia e às escuras. Na porta de saída elas encontraram-se com Valéria, que aguardava alguma coisa.

- Você, já de saída? Vai chover... – brincou Luíza, porque sabia que Valéria estava sempre ocupada com o cumprimento das atividades solicitadas pela matriz.

- O Ernesto vem me buscar... – explicou Valéria. – Olha ele aí!

- Hum... – fizeram as meninas, enquanto Valéria embarcava no automóvel que acabara de estacionar. – Vai namorar...

- É isso aí! Tchau, garotas! Cuidem-se.

Luíza e Paloma permaneceram algum tempo no pátio da empresa. Enquanto isso diversos instaladores deixavam os veículos no almoxarifado e se despediam delas, inclusive Paulo, que as cumprimentou alegremente, surpreendendo-as com sua atitude.

Do outro lado da rua e oculto pelas sombras, uma pessoa com uniforme da empresa acompanhava toda a movimentação. Olhou o relógio e resmungou:

- Que droga! Ela ainda não saiu.

Assim, continuou sua vigília, aguardando o momento oportuno para colocar seu plano em ação.


CAPÍTULO 5 - PARTE IV - SOB A SINFONIA DA NATUREZA


Algumas libélulas voavam sobre a água do riacho que borbulhava nas corredeiras. A mistura de vozes de pássaros, como sabiás, tico-ticos, quero-queros, rolas, eram subjugadas pelo forte canto de uma cigarra barulhenta que estendia sua voz como uma motosserra em atividade constante. As galinhas cacarejavam e um cachorro corria em torno do cercado, tentando estabelecer ordem às aves tagarelas.

Sentada em um banco de madeira na varanda da casa de enxaimel, estava Tatiana. Em seu colo, havia um gato que ela afagava, enquanto conversava com uma senhora de cabelos grisalhos, sentada ao seu lado no banco.

- Isso é tudo, mãe.

- Ele é importante pra você? – perguntou a mãe, em tom casual, depois que a filha havia terminado sua narrativa.

- Muito, mãe. Eu amo o Paulo. Nunca senti nada assim por ninguém.

A mãe ficou em silêncio, observando a filha. Ainda não havia se dado conta de que Tatiana agora era uma mulher e havia deixado para trás o ar infantil para conquistar o mundo e até desejar um homem. Escolhendo com cuidado as palavras para não magoar a filha, ela disse:

- Tatiana, penso que se você me contou tudo isto, você quer minha opinião e meu conselho.

- Claro, mãe.

- Não quero que você sofra, minha filha, e acho que este é um caso encerrado, pois aquele rapaz já casou e está vivendo com outra mulher. Não ensinei você a estragar casamentos...

- Mas, mãe – protestou Tatiana –, ele odeia aquela mulher. Ele foi obrigado a casar, porque senão ela acabaria com a vida dele.

- Eu acho que você foi inconsequente quando aceitou se casar, mesmo sem saber o que ele prometeu para aquela mulher.

Não adiantava argumentar e Tatiana resolveu caminhar para espairecer. Largou o gato no chão e saiu andando a passos largos na direção da rua, deixando a mãe falando sozinha. As lágrimas toldavam-lhe a visão e a ideia de nunca mais ver Paulo deixava-a ainda mais infeliz.

Tatiana tentava a todo custo convencer seu coração de que sua história com Paulo estava encerrada e que não adiantava nada sofrer por ele. Perdida em lembranças e imaginando diversas maneiras de superar sua crise emocional, ela continuou caminhando na estrada deserta. Parou em uma reta e lembrou quando antes existia a arrozeira de seu avô no lado esquerdo da estrada e o tanque de peixes no lado oposto. Olhou para as serras à sua volta e imaginou que mundo enorme poderia existir além daqueles dois picos que ficavam ao norte. Lembrou também quando seu pai contara que aquela estrada, Canela, tinha projeto para ser aberta e ligar o bairro Rio Bonito à Estrada do Pico na época do vereador Guilherme Zuege. Tatiana antes lamentara que o projeto nunca saíra do papel por causa da antiga balança rodoviária que existia na BR 101, pois como seu pai havia explicado, se a rua fosse mesmo aberta, os motoristas de caminhão desviariam a balança que ainda estava em atividade naquela época. Essa lembrança fez com que ela imaginasse novamente Paulo e Elisabete a uma pequena distância de sua casa e agradeceu que a rua ainda continuasse como há vinte anos. Novamente seu coração doeu e ela começou a soluçar.

Subitamente, o ronco do motor de um automóvel a tirou de seu devaneio. Ela procurou enxugar seu rosto para tentar distinguir o veículo que se aproximava e resolveu voltar para casa. Sua mãe sempre alertara para tomar cuidado com pessoas de má índole e Tatiana, lembrando-se das recomendações, sentiu medo e começou a correr.  

O automóvel a estava alcançando, mas ela não olhou para trás. Ficara confusa devido a seu descontrole emocional e entrou em pânico. Ouviu o veículo parar e alguém bater a porta e, cada vez mais desesperada, Tatiana embrenhou-se pela passagem entre os eucaliptos nas terras de seus pais para pegar um atalho e chegar em casa a tempo. Porém, esgotada pelo esforço físico, reduziu a corrida até parar embaixo de um pé de chorão, onde se apoiou. Uma brisa sacudia as árvores suavemente, e as folhas que caíam das diversas árvores formavam um tapete de folhas secas no chão.

- Tatiana! Sou eu, Paulo!

Ouvindo aquilo, ela olhou para trás e viu Paulo se aproximando. Suas pernas fraquejaram e ela sorriu, quase sem acreditar. A emoção de revê-lo arrancou novas lágrimas de seus olhos e Tatiana teve o impulso de se atirar nos braços dele. Paulo ficou imóvel diante dela, incerto sobre sua reação.

- Tatiana – sussurrou ele. – Eu te encontrei finalmente.

- Você estava me procurando? – indagou ela, enquanto sufocava a ansiedade e a esperança.

- Sim, eu precisava muito te ver. Só não imaginei que você iria fugir de mim.

- Desculpe – ela baixou a cabeça. – Não sei o que houve. Sabe como a minha imaginação é fértil. Eu me desesperei, achei que fosse um desconhecido. Aqui acontecem tantas coisas ruins...

- Então é ruim eu ter aparecido? – Em sua pergunta havia um tom de decepção e tristeza.

- Não, nunca! – Tatiana ergueu seus olhos e fitou-o, revelando os olhos vermelhos e inchados.

- Andou chorando? – perguntou Paulo, tomado de uma súbita preocupação. – Acho que é culpa minha, não é? 

- Mais ou menos... 

- O que foi que eu fiz de errado?

- Nada. Eu é que estou me iludindo... 

- Por quê? 

- Ai, Paulo, eu não aguento mais. Eu te amo e dói muito saber que te perdi...

Ao escutar a revelação, a face dele contraiu-se em um sorriso. Ele abriu os braços e ela o abraçou com força, encostando a cabeça no peito dele. Riso e choro misturaram-se.

- Tatiana, meu amor... eu fui tão egoísta com você, tão covarde. Estava tão preocupado comigo mesmo que, quando fui capaz de enxergar seu amor por mim, pensei que já era tarde demais.

- Por favor, Paulo, não me deixe... não sei mais viver sem você.

Paulo beijou-a pela primeira vez e ela se rendeu, indefesa. De repente, os segundos pareceram horas e seus corpos giravam ao sabor da brisa que refrescava suas peles ardentes. Aves, em bandos, cantavam para eles, e junto do farfalhar das árvores e dos tímidos estalidos de gravetos e folhas secas, compunham uma sinfonia inigualável. Ao final dos últimos acordes, um gemido silenciou a mata.

Tatiana abriu os olhos e sorriu, após um suspiro profundo. Acomodou sua cabeça sobre o braço dele e fitou-o. Paulo alisou o rosto dela, deslizou os dedos pelos lábios, afagou os cabelos e girou-a para cima dele, provocando uma chuva de folhas secas.

- Te amo, te amo, te amo... – repetiu ele, beijando-a diversas vezes e fazendo-a soltar risinhos de contentamento. – Hoje sou o homem mais feliz deste mundo!

Durante longo tempo permaneceram em silêncio, aproveitando o momento. Entretanto, os pensamentos aguçados convergiam para a mesma incerteza. Paulo reclinou o corpo de encontro às raízes do chorão e Tatiana ajoelhou diante dele. Seu sorriso aos poucos foi se apagando enquanto ela traduzia seus sentimentos em palavras:

- Como vai ser daqui pra frente? Você tem suas obrigações para cumprir...

Ele não respondeu, pois a realidade o machucava e a insegurança se projetava em seu olhar. Compreendendo o silêncio, Tatiana levantou-se e ficou de costas para ele, enquanto arrumava suas roupas. Inconscientemente ela se preparou para se despedir, mas amá-lo pelo menos uma vez já a confortava. Paulo, entretanto, a enlaçou pela cintura, beijou seu rosto e balançou seu corpo como se a estivesse ninando. Ela deixou-se levar pelo embalo para sentir-se mais próxima dele.

- Agora que eu sei que você me ama, sou capaz de tudo. Não tenho medo de mais nada.

- Mas e a Elisabete? Ela agora é sua esposa, não é? – Tatiana deixou escapar.

- Somente no papel.

- Como assim? – Ela ficou confusa. – Já faz tantos dias que você assinou seu casamento...

Ele explicou que não tinha consumado o casamento porque amava Tatiana, que sorriu agradecida e beijou-o desejando-o novamente. Mas sabia que não podia tê-lo, porque ele pertencia a Elisabete. Apesar de realista, ela não se rendeu ao sofrimento e procurou abraçá-lo para sentir seu calor mais uma vez. Paulo observou no sorriso dela um misto de encantamento e tristeza. Naquele momento ele jurou para si mesmo que enfrentaria Elisabete para viver com Tatiana.

Eles despediram-se e Tatiana permaneceu imóvel até vê-lo sumir em meio à vegetação. Tomou o caminho de casa totalmente enternecida com as recordações daquele momento único.



Paulo voltou para casa e atirou-se sobre a cama, onde permaneceu por muito tempo pensando em Tatiana. Ainda podia sentir o cheiro dela e a maciez do corpo que o recebeu sem nada exigir em troca.

Subitamente, o motor de um caminhão guincho atraiu sua atenção e Paulo foi até a sacada onde viu um veículo sendo transferido do reboque para a garagem. Quando voltou para dentro, Elisabete surgiu na porta semi-aberta.

- Apanhe isto! Seu presente acabou de chegar – disse ela, lançando para ele as chaves de automóvel que ele agarrou no ar. Imediatamente imaginou que ela pretendia conquistá-lo com bens materiais e sorriu, irônico, pois não se corromperia por causa de um presente.

- Espero que goste de pick-up. Escolhi uma Pajero para combinar com seu estilo – continuou Elisabete, pretensiosa.

- Estilo? Você se refere a playboy ou gigolô? É esse o estilo que está querendo que eu interprete? – argumentou ele, sarcástico.

Cada encontro com Elisabete culminava em explosão de sensibilidade, mas Paulo não chegara, desta vez, a nenhum rompante de ódio. Pelo contrário, manteve-se calmo e distraído, o que enfureceu a mulher.

- O que há com você? – gritou ela, no ápice de sua paciência. – Você está brincando comigo e eu não admito isso! Nós casamos, temos um contrato, e você não chegou a cumprir os termos desse acordo.

- Peça o cancelamento do matrimônio, então. Você mesma cobrou que eu não cumpro meu papel de homem, está lembrada? – A calma impertinente dele irritava-a cada vez mais. Ele levantou-se tranquilamente da cama e postou-se bem à frente dela. – Se você ainda não percebeu, eu não tenho a menor vocação para homem-objeto.

Ela deu uma bofetada no rosto dele, que se contraiu em um sorriso desafiador. Trêmula de ódio, Elisabete lançou um olhar fulminante que Paulo sustentou.

- Eu amo outra mulher, Elisabete. Tenho nojo de você! Não há contrato de casamento nenhum deste mundo que me faça ir pra cama com uma criatura desprezível como você!

- Você tem outra mulher, Paulo? Diga quem é ela, para eu acabar com a vida dela! – Elisabete não conteve seu ódio, sua derrota, seu orgulho corroendo-a de inveja.

- Você está blefando, Elisabete – continuou Paulo, baixando o tom de voz e rindo da mulher enfurecida à sua frente. – Você perdeu, entendeu? Perdeu! Deixe-me ir, não quero nada com você.

- Somente sobre o meu cadáver! Vou conseguir você a qualquer custo! E quanto à mulher que você diz que ama, vou dar uma lição da qual ela jamais se esquecerá! Eu até já sei de quem se trata. É aquele noivinha que você inventou para fugir do compromisso comigo. Como é mesmo o nome dela?

Paulo subitamente empalideceu e perdeu a voz. Havia provocado a ira de Elisabete, mas não desejava envolver Tatiana naquela discussão. Procurou mudar a expressão e parecer convincente de que Elisabete estava enganada. Apesar de sua tentativa, a mulher já havia lido em seus olhos que estava certa. Com um sorriso vitorioso saiu do quarto e dirigiu-se ao escritório para fazer alguns contatos.

Paulo ficou sentado ao pé da cama, temendo pela segurança de Tatiana. Depois, pensou melhor e resolveu negociar para amenizar sua fúria. Enojado com a própria ideia, ele seguiu até o escritório.

- Elisabete, quero falar com você. Deixe Tatiana fora disso e eu cumpro com meu papel de marido.

- Até que enfim estamos falando a mesma língua! – respondeu ela, aparentemente satisfeita com o acordo. – Muito bem, ela não fará mais parte de nossas vidas. Quanto as suas responsabilidades, acho que podemos começar...

Paulo engoliu em seco e reagiu:

- Primeiro quero ter certeza de que você vai cumprir a sua parte no acordo.

Dito isto, ele se retirou do escritório, apanhou a chave do veículo de trabalho e saiu da casa. Ela girou na cadeira, observando-o através da janela e, sorridente, pronunciou:

- Pode apostar que eu farei a minha parte, meu querido.


CAPÍTULO 5 - PARTE III - NOVA INVESTIDA

Apesar de ter de cumprir as exigências impostas pelo contrato, Paulo não abandonou sua profissão. Procurava concentração total em seu trabalho para esquecer que era um prisioneiro da própria covardia.

Ao chegar na casa de itaúba, que agora ele sabia ser um chalé de luxo, ele ia diretamente para a edícula, pois não suportava a ideia de se encontrar com Elisabete. Mas esta insistentemente o lembrava de suas obrigações conjugais. Paulo, entretanto, a desprezava.

Certa noite, após mais uma tentativa frustrada, Elisabete mudou de estratégia. Usou palavras vulgares para caracterizar a atitude dele em rejeitar uma mulher como ela. 

- Você não é nada, não é um homem à altura para mim. Acho que me enganei quanto às suas preferências sexuais.

Paulo, já saturado das repetidas cobranças, ressentiu-se com o julgamento e resolveu provar que, ao contrário das suposições dela, era um homem. Agiu com brutalidade, porque estava insano de ódio. Chegou a rasgar a roupa dela e imobilizou-a na cama.

Cada vez mais perto de celebrar a vitória, Elisabete instigava o ódio dele ao ferir seu orgulho. Ela, apesar de estar sendo dominada, incentivava a continuidade do ato desvairado que consumaria seu casamento.

- Eu não costumo me enganar a respeito das coisas em que aposto. Por isso, apostei em você – afirmou, quando estava perto de realizar seus anseios.

Contudo, Paulo foi interrompido por um instante de lucidez e controlou-se a tempo de se arrepender pelo resto da vida. Puxou Elisabete de sua cama e empurrou-a para fora do quarto, atirando também as roupas que ele próprio rasgara. Apesar dos protestos da mulher, trancou a porta para recuperar o controle da situação.

Chovia forte naquela noite e ele foi até a sacada do quarto para tentar conter a fúria e o desejo insano de matar Elisabete e fugir. Paulo sentiu repulsa de si mesmo e viu que nunca mais seria o mesmo. No lugar do rapaz digno e ético, uma fera indomável estava preparada para atacar. 

Inspirou o ar frio da madrugada e pensou em Tatiana, voltando alguns dias no tempo. Estava tão preocupado consigo mesmo que não notara a tristeza que havia no olhar dela no dia do suposto casamento. Refletiu o quanto fora egoísta e quando finalmente compreendera que Tatiana o amava, Elisabete apareceu, atirando por terra todos os seus planos.

Depois de buscar as recordações, Paulo fechou as venezianas e deitou-se na cama, planejando encontrar-se com Tatiana. Precisava desesperadamente dela e a buscaria no fim do mundo se fosse preciso.

 

No dia seguinte, Paulo dirigiu-se ao setor de administração para saber notícias de Tatiana. Quando entrou no departamento, a primeira pessoa que encontrou foi Valéria, que o atendeu com visível desprezo, porque acreditara cegamente nas mentiras de Elisabete. Ele então pediu blocos de ASLA e Valéria pediu para Paloma apanhar no estoque.

- Onde está a Tatiana? – perguntou quando Paloma lhe entregou os blocos.

- Ela pediu alguns dias de folga e foi para a casa dos pais em Pirabeiraba – respondeu a moça, tomando cuidado para não ser ouvida pela supervisora.

- Onde exatamente? – Paulo insistiu.

Paloma, então, apanhou uma agenda e copiou o endereço que Tatiana informara.

- Está aqui, Paulo. – Paloma colocou o bilhete sob uma ASLA. – Está faltando assinatura do cliente.

- Obrigado, Paloma. Eu devolvo a ASLA amanhã mesmo.

Ele apanhou a ASLA e saiu satisfeito. Luíza e Natália observaram a cena e leram nos lábios de Paloma a palavra Tatiana.

- Tipos com esse caráter não deveriam trabalhar nesta empresa – censurou Valéria, sem perceber os olhares compreensivos das funcionárias.



CAPÍTULO 5 - PARTE II - BEM VINDO


- Atende, droga!

Paulo caminhava nervoso pela casa, necessitando urgentemente ouvir a voz de Tatiana, como se nela encontrasse refúgio para seu tormento. Na noite anterior chegara perto de cometer suicídio, mas quando pensou em Evelin, uma força indescritível o impedira.

Havia trabalhado durante o sábado para cumprir seu plantão e também para adiar o quanto fosse possível o encontro com Elisabete, e desejava falar com Tatiana para revelar a ela o seu amor. Cada vez mais irritado, ele desistiu de tentar ligação.

Não adiantava mais fugir e ele resolveu enfrentar seu destino com coragem e esperança de que, cedo ou tarde, Elisabete iria cansar-se das investidas frustradas e deixaria que ele fosse embora. Paulo, porém, negava a realidade. Mecanicamente arrumou roupas em uma mala e ignorou o celular, que tocava incessante, mostrando no visor o número de telefone residencial instalado na casa de Elisabete. Ele bufou, cansado de tanto pensar, e seguiu para a casa de itaúba.

Chegando lá, Elisabete já o esperava juntamente com um juiz de paz e o advogado. Ela estava vestida com um sensual vestido cor creme e sua beleza era inegável. Paulo subitamente lembrou-se de Tatiana com o vestido branco, tão formosa quanto Elisabete. Após estacionar o automóvel na garagem, ele se aproximou, carregando a mala. A mulher foi ao seu encontro para beijá-lo, mas parou de imediato, avaliando o uniforme de instalador que ele usava.

- Mas o que é isso? – recriminou. – Esperava você bem vestido para o nosso casamento e não com essas roupas miseráveis.

- Vá se acostumando, pois é assim que você vai me ver todos os dias, Elisabete. – Ele usou um tom provocativo e gostou da repugnância que provocou nela. – Eu sou um trabalhador como outro qualquer, que usa um uniforme miserável e cheira mal.

Ela observou-o com desdém, compreendendo as intenções dele. Mas não se deu por vencida e ordenou que todos entrassem. O juiz de paz começou seu discurso, mas foi bruscamente interrompido por Elisabete.

- Vamos assinar os papéis de uma vez, Sr. Juiz.

Ela assinou e passou a caneta para Paulo, que a rodopiou por um instante entre os dedos, mas assinou, enquanto procurava não demonstrar o desânimo que aquela atitude lhe provocava.

- Pronto, está feito – disse ele. – O que a senhora deseja em primeiro lugar?

Ela sinalizou para que o advogado e o juiz de paz se retirassem e só então começou a andar em torno de Paulo. 

- Venha comigo e traga sua mala.

Sem nada responder, Paulo apanhou a mala e seguiu-a por um corredor que dava para os fundos da casa, atravessando o jardim e dirigindo-se a uma edícula de dois andares, também de itaúba, com uma garagem sem portão e, ao lado, as escadas cobertas de trepadeiras e bougavilles levavam até um quarto, onde havia uma cama de casal, um roupeiro tipo closet, criados-mudos com abajures, TV, vídeo e som. Oculta pelo closet, estava a porta que dava acesso ao banheiro e do outro lado da cama havia uma porta-janela que dava para a sacada. 

- Este é o seu quarto daqui pra frente. Fique à vontade.

Ela saiu e fechou a porta atrás de si, deixando-o sozinho para admirar tanto luxo. Paulo constatou que Elisabete literalmente o havia comprado, pois ele poderia trabalhar a vida inteira para obter os móveis que estavam dentro do quarto. Cansado, ele tirou algumas roupas da mala e resolveu tomar banho. Surpreso com o conforto, Paulo se permitiu apreciar o ambiente e relaxar dentro da banheira de hidromassagem.  

Enquanto ele se detinha para fugir da armadilha preparada por ela, não havia parado para imaginar como seria sua vida. Elisabete surpreendera-o com a atitude de preparar um local reservado para ele. Naquele momento, Paulo percebeu que o contrato de casamento se assemelhava a um contrato de trabalho, em que Elisabete solicitaria seus préstimos quando bem desejasse. Não seriam um casal normal, não dividiriam o mesmo quarto ou a mesma casa, o que causou nele uma indescritível sensação de inferioridade.

Muito tempo se passou até que ele caiu em si. Terminou seu banho, vestiu bermuda jeans e camiseta e se dirigiu para a sacada, onde apreciou o frescor da noite. Podia ver a lua refletindo-se na piscina e as estrelas faiscantes.

- Venha jantar, Paulo.

Elisabete aparecera de repente e ele notou a constante presença daquele tom autoritário. Então, ele a seguiu até a sala de jantar. “Que estranho casamento”, pensou Paulo. “Sou obrigado a seguir a dona como se fosse um cachorrinho em busca de alimento”. Ele estava exausto de brigar por sua liberdade e sentia-se um robô: programado para e executar determinadas funções e nada mais.

- Você cozinha? – perguntou ele, quebrando o silêncio.

- Pago uma governanta, que prepara as minhas refeições e depois vai para casa. Detesto empregados fiscalizando meus passos, principalmente agora que tenho um marido.

Paulo ignorou a indireta e arrependeu-se por ter formulado a pergunta. Era óbvio que Elisabete tinha uma equipe para cozinhar, lavar, passar e arrumar. Ele estranhou que nunca se via ninguém na casa, além do advogado, com o qual Paulo se encontrara algumas vezes.

Eles jantaram em silêncio. Apenas lançavam olhares especulativos um para o outro. Ao final da refeição, Elisabete chamou-o para ir à sala tomar licor. Ele não estava acostumado a esse tipo de hábito e pensou em recusar. Entretanto, seu corpo e sua mente pareciam entorpecidos e ele não se sentia capaz de ter qualquer tipo de reação. Assim, se sentou na poltrona da sala e aceitou o licor que Elisabete tratou de servir.

Ela nada falava, enquanto caminhava de um lado para o outro na sala, com o cálice de licor na mão. Seus movimentos eram seguros e femininos, a respiração regular, o olhar confiante, a beleza envolvente. Sua sensualidade era provocante e Paulo percebeu que ela estava planejando se exibir para fomentar o desejo dele. Ele tentou parecer indiferente aos movimentos dela, o vestido transparente revelando o corpo bem delineado.

Elisabete aproximou-se dele com cautela, e ele ficou tenso enquanto sentia as mãos delicadas tocarem seu pescoço. Calada, ela massageou seus ombros e o contato parecia hipnotizá-lo. Ele precisou de todo seu autocontrole para se levantar da poltrona e se afastar dela. Odiou sua fraqueza e admitiu para si mesmo que Elisabete exercia um poder de sedução muito mais intenso do que ele próprio imaginara.

- Não fuja de mim. Sou sua esposa, esqueceu? – A voz dela era doce, cativante. – Qualquer homem no seu lugar estaria orgulhoso de ter-me como sua mulher.

- Não sou qualquer homem – retrucou Paulo, tentando parecer seguro do que afirmava. 

- Eu sei, e é por isso que te escolhi.

Elisabete chegou bem perto dele, encostando seu corpo no dele, mas sem demonstrar ansiedade. Ela não parecia sentir coisa alguma e era isso o que mais o incomodava. Ela manipulava as pessoas como se todos fossem desprovidos de sentimentos. Insistente, ela conseguiu abraçá-lo e beijá-lo. Os lábios dela eram quentes e macios e o corpo uma promessa. Paulo começou a baixar a resistência.

Subitamente, as lembranças do dia em que a conhecera surpreenderam seus pensamentos. As falsas denúncias, a amarga experiência de ficar detido em uma delegacia, a sensação de que todas as pessoas o acusavam, o desespero frente às propostas de Elisabete, que ameaçava arruinar a sua vida, o aparecimento inesperado no cartório, tudo veio à tona. Ele empurrou-a bruscamente para o lado e, sem nada responder, saiu da sala como um tufão. No pátio da casa, ainda podia ouvir as gargalhadas sarcásticas dela. Procurou se refugiar em seu quarto, onde se trancou.

Ela, por sua vez, continuou rindo da atitude dele, pois sabia que cedo ou tarde iria despertar nele o desejo e a carência. Daria um jeito de trancá-lo, faria de tudo, e não esperava a derrota.

- Ele será o meu troféu. Vou exibi-lo e, como todo troféu, Paulo vai acabar indo parar em uma velha e empoeirada estante. – Ainda rindo, ela se limitou a ir para seu quarto aconchegante, enquanto planejava a próxima investida. – Isto está ficando divertido, muito divertido – declarou ela, enquanto se deitava, satisfeita com a perfeita realização de todos os seus projetos.