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Joinville, Santa Catarina, Brazil

CAPÍTULO 5 - PARTE II - BEM VINDO


- Atende, droga!

Paulo caminhava nervoso pela casa, necessitando urgentemente ouvir a voz de Tatiana, como se nela encontrasse refúgio para seu tormento. Na noite anterior chegara perto de cometer suicídio, mas quando pensou em Evelin, uma força indescritível o impedira.

Havia trabalhado durante o sábado para cumprir seu plantão e também para adiar o quanto fosse possível o encontro com Elisabete, e desejava falar com Tatiana para revelar a ela o seu amor. Cada vez mais irritado, ele desistiu de tentar ligação.

Não adiantava mais fugir e ele resolveu enfrentar seu destino com coragem e esperança de que, cedo ou tarde, Elisabete iria cansar-se das investidas frustradas e deixaria que ele fosse embora. Paulo, porém, negava a realidade. Mecanicamente arrumou roupas em uma mala e ignorou o celular, que tocava incessante, mostrando no visor o número de telefone residencial instalado na casa de Elisabete. Ele bufou, cansado de tanto pensar, e seguiu para a casa de itaúba.

Chegando lá, Elisabete já o esperava juntamente com um juiz de paz e o advogado. Ela estava vestida com um sensual vestido cor creme e sua beleza era inegável. Paulo subitamente lembrou-se de Tatiana com o vestido branco, tão formosa quanto Elisabete. Após estacionar o automóvel na garagem, ele se aproximou, carregando a mala. A mulher foi ao seu encontro para beijá-lo, mas parou de imediato, avaliando o uniforme de instalador que ele usava.

- Mas o que é isso? – recriminou. – Esperava você bem vestido para o nosso casamento e não com essas roupas miseráveis.

- Vá se acostumando, pois é assim que você vai me ver todos os dias, Elisabete. – Ele usou um tom provocativo e gostou da repugnância que provocou nela. – Eu sou um trabalhador como outro qualquer, que usa um uniforme miserável e cheira mal.

Ela observou-o com desdém, compreendendo as intenções dele. Mas não se deu por vencida e ordenou que todos entrassem. O juiz de paz começou seu discurso, mas foi bruscamente interrompido por Elisabete.

- Vamos assinar os papéis de uma vez, Sr. Juiz.

Ela assinou e passou a caneta para Paulo, que a rodopiou por um instante entre os dedos, mas assinou, enquanto procurava não demonstrar o desânimo que aquela atitude lhe provocava.

- Pronto, está feito – disse ele. – O que a senhora deseja em primeiro lugar?

Ela sinalizou para que o advogado e o juiz de paz se retirassem e só então começou a andar em torno de Paulo. 

- Venha comigo e traga sua mala.

Sem nada responder, Paulo apanhou a mala e seguiu-a por um corredor que dava para os fundos da casa, atravessando o jardim e dirigindo-se a uma edícula de dois andares, também de itaúba, com uma garagem sem portão e, ao lado, as escadas cobertas de trepadeiras e bougavilles levavam até um quarto, onde havia uma cama de casal, um roupeiro tipo closet, criados-mudos com abajures, TV, vídeo e som. Oculta pelo closet, estava a porta que dava acesso ao banheiro e do outro lado da cama havia uma porta-janela que dava para a sacada. 

- Este é o seu quarto daqui pra frente. Fique à vontade.

Ela saiu e fechou a porta atrás de si, deixando-o sozinho para admirar tanto luxo. Paulo constatou que Elisabete literalmente o havia comprado, pois ele poderia trabalhar a vida inteira para obter os móveis que estavam dentro do quarto. Cansado, ele tirou algumas roupas da mala e resolveu tomar banho. Surpreso com o conforto, Paulo se permitiu apreciar o ambiente e relaxar dentro da banheira de hidromassagem.  

Enquanto ele se detinha para fugir da armadilha preparada por ela, não havia parado para imaginar como seria sua vida. Elisabete surpreendera-o com a atitude de preparar um local reservado para ele. Naquele momento, Paulo percebeu que o contrato de casamento se assemelhava a um contrato de trabalho, em que Elisabete solicitaria seus préstimos quando bem desejasse. Não seriam um casal normal, não dividiriam o mesmo quarto ou a mesma casa, o que causou nele uma indescritível sensação de inferioridade.

Muito tempo se passou até que ele caiu em si. Terminou seu banho, vestiu bermuda jeans e camiseta e se dirigiu para a sacada, onde apreciou o frescor da noite. Podia ver a lua refletindo-se na piscina e as estrelas faiscantes.

- Venha jantar, Paulo.

Elisabete aparecera de repente e ele notou a constante presença daquele tom autoritário. Então, ele a seguiu até a sala de jantar. “Que estranho casamento”, pensou Paulo. “Sou obrigado a seguir a dona como se fosse um cachorrinho em busca de alimento”. Ele estava exausto de brigar por sua liberdade e sentia-se um robô: programado para e executar determinadas funções e nada mais.

- Você cozinha? – perguntou ele, quebrando o silêncio.

- Pago uma governanta, que prepara as minhas refeições e depois vai para casa. Detesto empregados fiscalizando meus passos, principalmente agora que tenho um marido.

Paulo ignorou a indireta e arrependeu-se por ter formulado a pergunta. Era óbvio que Elisabete tinha uma equipe para cozinhar, lavar, passar e arrumar. Ele estranhou que nunca se via ninguém na casa, além do advogado, com o qual Paulo se encontrara algumas vezes.

Eles jantaram em silêncio. Apenas lançavam olhares especulativos um para o outro. Ao final da refeição, Elisabete chamou-o para ir à sala tomar licor. Ele não estava acostumado a esse tipo de hábito e pensou em recusar. Entretanto, seu corpo e sua mente pareciam entorpecidos e ele não se sentia capaz de ter qualquer tipo de reação. Assim, se sentou na poltrona da sala e aceitou o licor que Elisabete tratou de servir.

Ela nada falava, enquanto caminhava de um lado para o outro na sala, com o cálice de licor na mão. Seus movimentos eram seguros e femininos, a respiração regular, o olhar confiante, a beleza envolvente. Sua sensualidade era provocante e Paulo percebeu que ela estava planejando se exibir para fomentar o desejo dele. Ele tentou parecer indiferente aos movimentos dela, o vestido transparente revelando o corpo bem delineado.

Elisabete aproximou-se dele com cautela, e ele ficou tenso enquanto sentia as mãos delicadas tocarem seu pescoço. Calada, ela massageou seus ombros e o contato parecia hipnotizá-lo. Ele precisou de todo seu autocontrole para se levantar da poltrona e se afastar dela. Odiou sua fraqueza e admitiu para si mesmo que Elisabete exercia um poder de sedução muito mais intenso do que ele próprio imaginara.

- Não fuja de mim. Sou sua esposa, esqueceu? – A voz dela era doce, cativante. – Qualquer homem no seu lugar estaria orgulhoso de ter-me como sua mulher.

- Não sou qualquer homem – retrucou Paulo, tentando parecer seguro do que afirmava. 

- Eu sei, e é por isso que te escolhi.

Elisabete chegou bem perto dele, encostando seu corpo no dele, mas sem demonstrar ansiedade. Ela não parecia sentir coisa alguma e era isso o que mais o incomodava. Ela manipulava as pessoas como se todos fossem desprovidos de sentimentos. Insistente, ela conseguiu abraçá-lo e beijá-lo. Os lábios dela eram quentes e macios e o corpo uma promessa. Paulo começou a baixar a resistência.

Subitamente, as lembranças do dia em que a conhecera surpreenderam seus pensamentos. As falsas denúncias, a amarga experiência de ficar detido em uma delegacia, a sensação de que todas as pessoas o acusavam, o desespero frente às propostas de Elisabete, que ameaçava arruinar a sua vida, o aparecimento inesperado no cartório, tudo veio à tona. Ele empurrou-a bruscamente para o lado e, sem nada responder, saiu da sala como um tufão. No pátio da casa, ainda podia ouvir as gargalhadas sarcásticas dela. Procurou se refugiar em seu quarto, onde se trancou.

Ela, por sua vez, continuou rindo da atitude dele, pois sabia que cedo ou tarde iria despertar nele o desejo e a carência. Daria um jeito de trancá-lo, faria de tudo, e não esperava a derrota.

- Ele será o meu troféu. Vou exibi-lo e, como todo troféu, Paulo vai acabar indo parar em uma velha e empoeirada estante. – Ainda rindo, ela se limitou a ir para seu quarto aconchegante, enquanto planejava a próxima investida. – Isto está ficando divertido, muito divertido – declarou ela, enquanto se deitava, satisfeita com a perfeita realização de todos os seus projetos.


CAPÍTULO 5 - PARTE I - O DIA SEGUINTE


O sol já despontava no horizonte e seus raios tímidos penetravam no quarto de Tatiana, que observou o relógio no criado-mudo e tentou levantar de sua cama. Ela sentia-se tonta por causa da noite mal dormida e uma fraqueza momentânea fez com que ela voltasse a se sentar pesadamente sobre a cama. Ela tocou seu rosto e percebeu que estava muito quente, provavelmente estava com febre. Procurou forças para caminhar até a cozinha e tomou um copo com água. Encheu a chaleira e colocou-a sobre a chama do fogão, com a intenção de fazer café. A tontura e a fraqueza ainda a maltratavam e ela não conseguia enxergar através da visão turva.

Depois que o mal-estar passou, ela resolveu tomar banho e parou na frente do espelho. Não havia retirado as roupas que usara no casamento e por um instante permaneceu imóvel admirando a beleza que via na mulher diante do espelho.

Sua imaginação voou longe ao lembrar de Paulo. Ela imaginou como seria se o casamento tivesse dado certo. Teriam jantado e voltado para a casa dele, onde ele teria preparado um quarto separado para ela dormir. Tatiana tomaria banho e iria deitar-se, mas choraria porque desejava casar com Paulo de verdade. Tudo seria uma farsa e cada um deles continuaria sua vida sem que se encontrasse para conversar ou mesmo...

Tatiana sacudiu a cabeça para afastar suas fantasias, não se permitindo a ideia de desejá-lo e amá-lo. Paulo talvez se sentiria grato por ela ter tentado ajudar, mas nunca a amaria, porque seu interesse era claro: livrar-se de Elisabete.

Chorando, ela despiu-se rapidamente e atirou as roupas sobre a cama, seguindo para o banheiro, onde tomou uma ducha gelada. Saiu enrolada na toalha e foi passar um café bem forte. Ainda não sabia como iria explicar para as pessoas sobre seu casamento não realizado. Estava em dúvida se conseguiria sobreviver à experiência e se um dia alguém acreditaria na história fantástica que ela vivenciara.

Seus pensamentos tumultuados em nada ajudavam e após tomar o café, Tatiana foi procurar uma roupa no armário. Não sabia bem porque, mas desejava parecer bonita, não para alguém, mas para agradar seu próprio ego. Assim, vestiu um vestido amarelo de algodão e ficou descalça. Ela necessitava desesperadamente virar a página de sua vida e não encontrava um início, um motivo.

Enquanto pensava, ela ouviu batidas na porta e seu coração descompassou. Um tremor incontrolável percorreu todo seu corpo e ela prendeu a respiração. Desejou desesperadamente que Paulo tivesse voltado a procurá-la, porém, a imagem de Elisabete surgiu em sua mente. Tatiana imaginou a mulher vindo assassiná-la e sentiu pânico. Olhou em torno para procurar outra saída. Seu coração parecia latejar em sua garganta, pronto para saltar pela boca. Mesmo assim, ela enfrentou seu sistema nervoso e alcançou a porta. Contou até três para criar coragem e finalmente abriu.

Sem convite, três moças irromperam a casa, alegres e tagarelas. Traziam consigo alguns pacotes que colocaram na mesa da cozinha e desembrulharam, revelando um verdadeiro banquete, com direito a bolo, salgados, geleia, pão e frutas. Tatiana ainda estava parada na porta semiaberta, esperando entender tudo aquilo. Finalmente reagiu, fechou a porta e veio abraçar as amigas.

- Fala a verdade, fala, você estava esperando a gente, não é? – disse Luíza.

- Não, eu...

- Fala sério, Tati! Você tem alguma bola de cristal escondida por aí – declarou Paloma, muito divertida.

- Bola de cristal? – Tatiana estava confusa.

- E a gente pensou que ia te encontrar de pijama, com olheiras, olhos inchados, cabelo em pé! Você tá bonitona, hein! – exclamou Natália, com descontração.

- Meu Deus! Como eu precisava de vocês aqui comigo – admitiu Tatiana, sorrindo de orelha a orelha.

- Tem certeza? Olha, é bom não rezar muito que Papai do Céu atende os pedidos da gente rapidinho – disse Paloma.

- É, Ele fala com todo mundo, menos comigo – reclamou Luíza.

- É porque você não sabe ouvir Ele – logo respondeu Natália.

Tatiana convidou as amigas para sentarem em torno da mesa e deliciaram-se com as guloseimas. Falaram de tolices, fofocas e futilidades, tudo para agradar e alegrar Tatiana, que não cabia em si de contentamento. Ninguém tocou no assunto do casamento, dando um ar de leveza àquela manhã de sábado.

- E agora me digam pra que tudo isso? – perguntou Tatiana, apontando para o alegre café da manhã preparado pelas três garotas.

- Pensei que você nunca mais ia perguntar – comentou Paloma. – Nós viemos fazer uma proposta bem interessante pra você...

- Tenho até medo de perguntar – falou Tatiana, divertida.

- Fala logo, Paloma – incentivou Natália.

- Não, fala você, Natália.

- Não, então você fala, Luíza.

- Já sei, vamos falar juntas. Um, dois, três... Nós viemos te convidar para dar um passeio no Centrooooooo!

Tatiana pensou um instante e as moças ficaram em silêncio. De repente, baixou um clima esquisito e todas se sentiram pouco à vontade. Mas a tensão se dissipou quando Tatiana anunciou:

- Aceito o convite. Eu ia mesmo dar uma volta por aí. E acompanhada é bem melhor.

Assim, Tatiana calçou as rasteiras, apanhou uma bolsa e seguiu abraçada com elas. A companhia das amigas fazia com que ela não pensasse no dia anterior. Parecia que nada havia acontecido e elas estavam se divertindo muito. Os comentários descontraídos não escolhiam lugar ou hora. Elas incentivaram Tatiana para comprar uma roupa nova e foram ao shopping Mueller ajudá-la a experimentar algumas peças. Quando observou sua imagem no espelho, Tatiana não se reconheceu, pois a combinação de roupas era totalmente fora de seu estilo. Mesmo assim, gostou daquele estilo descontraído e jovem. Retirou as etiquetas e saiu vestida com as roupas novas.

- Agora falta um corte de cabelo – anunciou Paloma.

- Boa ideia – ajudou Luíza.

- O que vocês vão fazer com meu cabelo? – perguntou Tatiana, assustada.

- Nós, nada. Quem vai fazer é o cabeleireiro. Vamos lá! – falou Natália, decidida.

Assim, encorajaram Tatiana a mudar o visual, coisa que ela mesma já havia pensado em fazer, mas não realizava suas intenções por medo do resultado. Então escolheu um corte através de sua foto no computador e tomou coragem para mandar cortar.

Depois, resolveram almoçar na praça de alimentação do próprio shopping e continuaram rindo e jogando conversa fora. As horas passaram rapidamente e elas nem se deram conta. Subitamente, dois sujeitos que trabalhavam na mesma empresa em outros setores pararam Paloma, Luíza e Natália, cumprimentando-as alegremente.

- Vocês não vão apresentar a amiga de vocês? – perguntou um deles, olhando maliciosamente para Tatiana, que ficou ruborizada. Paloma e Luíza caíram na gargalhada e eles não entenderam o que haviam dito de tão engraçado.

- Ela é uma das meninas que trabalha com a gente – respondeu Paloma, assim que conteve o riso.

- É, a Tatiana – emendou Luíza. – Vai dizer que não se lembra dela?

- É que... ela tá diferente. – Eles estavam admirados e deram beijos no rosto de Tatiana, que ficou ainda mais encabulada.

- Diferente, nada! Vocês é que nunca veem a gente direito – censurou Natália. – Vem, gente, vamos indo!

Elas seguiram para a escadaria da entrada principal do shopping, enquanto os dois homens continuaram parados, boquiabertos.

- Eu fiquei tão diferente assim? – indagou Tatiana, meio apreensiva.

- Que nada! Eles são uns chatos mesmo.

Elas acompanharam Tatiana até sua casa e em seguida voltaram para as próprias residências: Luíza para o Jardim Paraíso, Natália para o Vila Nova e Paloma para o Saguaçu.

Tatiana entrou na casa escura e foi direto para o quarto quando ouviu o telefone tocar. Devagar, ela se aproximou do aparelho e acendeu o abajur para verificar o número no identificador de chamadas. Toda a felicidade do dia foi apagada de sua face enquanto ela decidia se atendia a ligação. Ela suspirou quando o aparelho finalmente parou de chamar.

- Ele nunca me amou – afirmou ela, para se convencer a não procurar Paulo, pois amor era um sentimento que ela jamais poderia cobrar dele.

Entretanto, sabia perfeitamente que não poderia convencer seu coração a desistir do amor por ele. Tentaria evitar o reencontro, por mais que desejasse o contrário.

Ela trocou de roupa e deitou-se. O dia havia sido cansativo e ela não demorou a dormir. Não se permitira pensar em Paulo quando ouvira novamente o telefone, mas não era capaz de evitar que aparecesse em seus sonhos, seu amor refletido em seu subconsciente, incontrolável e de vontade própria.




CAPÍTULO 4 - PARTE III - O CASAMENTO


Faltavam algumas horas antes da cerimônia. Tatiana estava uma pilha de nervos e não via a hora de acabar com aquilo. Preparou uma mala com algumas roupas e pertences para levar para a casa de Paulo após o casamento que não iria se consumar. Ela nem conseguira comer. Vestiu o vestido branco de voal, penteou-se, calçou as sandálias e maquiou-se, tudo com o coração apertado de dor. Quando ela terminou de se arrumar, Valéria apareceu no portão, chamando por ela. Tatiana respirou fundo, apanhou a mala, apagou as luzes e despediu-se de seu lar tão estimado. Trancou a porta e seguiu para a rua, onde Valéria e Ernesto aguardavam-na. Ernesto colocou sua mala no porta-malas e Valéria abraçou-a.

- Você está linda! – exclamou ela. – Ainda não me conformo que você não vai casar na igreja para desfilar com um maravilhoso vestido de noiva.

Tatiana sorriu e entraram no carro. Dentro de minutos chegaram ao cartório. Ernesto conduziu-a até a sala onde se encontravam Paulo, o juiz de paz, Luíza, Paloma, Natália e os respectivos namorados. Paulo segurou suas mãos e beijou sua fronte.

- Tatiana, você nem imagina o quanto eu te agradeço – disse ele, sorrindo pela primeira vez em semanas.

- Não me agradeça, Paulo. Estou fazendo isso por amor.

As palavras escaparam-lhe dos lábios e ela arrependeu-se, por um momento, de tê-las proferido. Abaixou os olhos rapidamente sem coragem de encará-lo, mas ele, delicadamente levantou seu rosto e sorriu para ela como se tivesse compreendido.

O juiz de paz começou a cerimônia. Leu as informações civis e fez um breve comentário acerca da escolha feita pelo casal. Tatiana olhou para Paloma e Luíza, que sorriam para ela, dando-lhe força, e observou também Natália, que parecia sofrer junto com ela. Paulo tirou as alianças do bolso do terno e entregou para o juiz de paz. Este prosseguiu a cerimônia com a pergunta de praxe:

- Se existe algum impedimento para a união de Tatiana e Paulo, que fale agora ou se cale para sempre!

Houve silêncio no recinto e o juiz prosseguiu com a troca de alianças. Entretanto, antes que Paulo pudesse colocar a aliança no dedo de Tatiana, uma mulher apareceu dizendo:

- Eu tenho um impedimento, Sr. Juiz. Com todo respeito, aqui estão os papéis que provam que este homem está comprometido comigo.

- Isto não é verdade! – alegou Paulo, sem conter seu desespero.

Elisabete caminhou com segurança até Tatiana e falou-lhe sarcasticamente:

- Sinto muito, mas você não vai se casar com ele, querida.

O juiz de paz verificou os papéis e anunciou que eles eram legítimos. Paulo tentou negar, argumentando que o cartório não poderia errar. Se existisse algum registro anterior, não haveria possibilidade de anunciar seu casamento com Tatiana. Derrotado, ouviu a voz severa do juiz:

- Isso é um equívoco lamentável que verificarei pessoalmente e tratarei de punir.

Tatiana recebera uma espécie de choque paralisante e não reagiu quando Paulo seguiu Elisabete. Subitamente, um mal-estar generalizado tomou conta de seu organismo e ela perdeu os sentidos. Os convidados, que ainda estavam perplexos com a ocorrência, se apressaram a socorrê-la.
Após alguns minutos, Tatiana abriu os olhos e, confusa, observou as pessoas à sua volta. Tomou um gole de água com açúcar, que pareceu entorpecer seu corpo. Precisou de alguns segundos para lembrar onde estava e passado o momento da crise, ela levantou-se, necessitando urgentemente ficar sozinha.

- Você está bem? – perguntou Valéria.

- Estou.

- Vou levar você para minha casa. Que cafajeste esse Paulo te iludir desse jeito!

- Não – Tatiana murmurou cansada. – Quero ficar sozinha.

- Mas você precisa se recuperar...

- Se quiser mesmo me ajudar, me leve até minha casa, por favor... – pediu Tatiana, enquanto lágrimas desciam por seu rosto.

E assim, ela voltou para a solidão de seu quarto e deitou-se na cama como se uma força invisível tivesse arrancado toda sua energia. Apenas a memória continuava ativa, retrocedendo a fita de sua vida e voltando até o instante decisivo.




Já era madrugada quando, finalmente, Paulo fora liberado pelo advogado de Elisabete, após assinar o contrato. Paulo passara por uma espécie de treinamento pré-nupcial e foi orientado a voltar no dia seguinte. Exausto de lutar sem alcançar seus propósitos, voltou para casa e refletiu o quanto fora fraco ao se resignar com a tramóia. Sua consciência o acusava, exigindo que abandonasse tudo. Em seu corpo pesava a angústia, a fraqueza, o ódio por Elisabete, a descrença em Deus.

Ele sentiu-se sufocado e abriu a janela. O luar atingiu sua face e o ar fresco da noite atenuou seu mal-estar. Não era de seu hábito, mas ele observou as estrelas faiscantes no firmamento e visualizou mentalmente o rosto de Tatiana, quando esta lhe revelou: “Estou fazendo isto por amor”. A lembrança daquelas palavras era como um bálsamo para sua alma sofrida.

Paulo passou as duas mãos na cabeça e esfregou os olhos para impedir que as lágrimas fluíssem. Tentou controlar o impulso de ir até Tatiana e saber como ela estava. Desejou ardentemente tomá-la nos braços e provar que também a amava. Assim, caminhou confiante até a porta e virou a chave. Entretanto, resolveu não agir conforme seus instintos, porque não seria justo com ela. Ele refletiu que não tinha o direito de envolvê-la ainda mais em sua vida. Girou novamente a chave e rumou para a cozinha, disposto a qualquer loucura. Abriu uma gaveta e retirou uma faca afiada. A lâmina brilhava, convidativa. Um brilho macabro surgira repentinamente nos olhos dele e Paulo sorriu. Enfim, encontrara um meio para fugir do pesadelo.



CAPÍTULO 4 - PARTE II - A IDEIA BRILHANTE

Tatiana estava deitada em sua cama, agarrada ao travesseiro. A luz do abajur da mesa de cabeceira estava acesa e seu livro continuava do jeito que ela deixara à tarde antes de sair. Era hora do jantar, mas ela perdera o apetite. Perdera até mesmo a noção da hora, enquanto extravasava sua tristeza. Finalmente aprendera a escutar seu coração, porém, já era tarde demais, porque o futuro de Paulo já estava decidido.

Ela tratara-o mal tantas vezes e, naquele momento, arrependera-se amargamente por tê-lo ofendido, pois passara a conhecer o sofrimento que ele carregava dentro de si. Jamais pudera imaginar que ele se sentia responsável pela morte da esposa a quem amava acima de tudo. Em período algum poderia prever o destino que o aguardava. Quando ele pedira sua ajuda, Tatiana não deu importância ao gesto, mas lembrava-se dos olhos suplicantes à procura de paz.

Ela tranquilizou-se e releu mentalmente o contrato. Não havia o que contestar. Acusar Elisabete de fraude seria inútil, porque ela, com sua influência, reverteria a acusação a seu favor.

“Me ajude...”, ela lembrava, mas parecia um caminho sem volta, uma armadilha que jamais seria revelada. “Eu vou ajudá-lo”, pensou, transmitindo para si mesma firmeza e determinação. Tatiana lembrou de tudo o que ele havia mencionado e sentiu pena pelo fato de Paulo ser viúvo.

De repente, ela sentiu o coração bater mais forte. Poderia haver uma saída e ela correu para o telefone, querendo falar com Paulo sobre as possibilidades de seu plano. Para sua infelicidade, ouviu a mensagem “celular fora de área ou desligado” e resolveu esperar até o dia seguinte para telefonar-lhe, torcendo para que não fosse tarde demais. A expectativa era tão grande que ela mal conseguiu dormir.




Na manhã seguinte, ela consultou o sistema para encontrar o telefone da casa dele. Decepcionou-se ao constatar que o telefone convencional estava retirado. Lembrou de ligar para a Zilda do RH, mas o número do telefone que constava na ficha era o mesmo.

- Não pode ser – resmungou.

Tentou novamente o celular, mas continuava informando fora de área.

- Tem bloco de ASLA?

Ela levou um susto enorme. O rapaz de uniforme chegou de repente e ela estava sozinha na sala.

- Paulo?! O que faz aqui?

- Segui sua recomendação.

Ela recuperou-se do susto e rapidamente falou a respeito da ideia que tivera. Ele ouviu-a com atenção, enquanto ela explicava que ele não poderia casar com Elisabete se já estivesse casado com outra mulher. O casamento falso duraria o tempo que fosse necessário para esfriar a obsessão de Elisabete.

- Tatiana, os proclamas levam dias para correr e eu não tenho tanto tempo – protestou.

- O tempo é você que faz – respondeu Tatiana, quase sufocando de ansiedade. – Então não há um minuto a perder! Agora só falta uma mulher para ser a sua cúmplice.

- Eu não tenho ninguém a quem recorrer, Tatiana. Só se você...

- Não, Paulo, eu não posso – interrompeu, adivinhando o que ele queria dizer.

- Tatiana, por favor, você é a minha única chance... – implorou ele, com olhar suplicante e triste que ela aprendera a respeitar.

Mesmo que seu coração negasse, ela se convenceu a ser a esposa de mentira dele.

- Vamos precisar de testemunhas – declarou ele, enquanto sorria, na expectativa de ver-se livre de Elisabete.

- Deixe isso comigo. Vou pegar seu bloco de ASLA.

Paulo passou por Paloma, Natália e Luíza quando saiu da sala e as garotas entreolharam-se curiosas. Tatiana pediu para falar com elas e explicou tudo, inclusive a ideia de oficializar um casamento de mentira.

- Da nossa parte está tudo bem – falou Luíza. – Mas e você, como vai resistir à ideia de morar na mesma casa que o homem que ama e sem sequer tocar nele?

Tatiana sentiu o rosto arder e, perplexa, perguntou:

- Mas eu... eu não... Você está enganada.

- Não precisa se explicar. Tá na sua cara!

- Mas eu sou tão transparente assim?

- Não, imagina! – Elas riram para descontrair.

- Então vão me ajudar?

- Claro, só tem um problema: como vamos explicar pra Valéria que duas de nós precisamos sair do setor ao mesmo tempo? – indagou Luíza, preocupada.

- Simples: vamos contar a verdade pra ela – falou Tatiana, serenamente.

- O quê?! – indagaram as três garotas ao mesmo tempo.

- Só nós cinco vamos saber que o casamento vai ser falso, mas para o resto do mundo tem que parecer tudo real.

- Tem razão – concordou Natália. – A Valéria não pode te proibir de escolher a Luíza e a Paloma como testemunhas.

Dessa forma, tudo ficou combinado e Tatiana ligou para Paulo, que prometeu buscá-las para ir ao cartório de registro civil.

Valéria chegou às 10h30min, porque toda segunda-feira ela vinha dirigindo o próprio automóvel de sua casa em Florianópolis. Ela alugara um apartamento próximo da empresa e ali passava a semana. Logo que entrou no departamento, Luíza comentou:

- Valéééria... tenho um babado pra te contar...

- E o que é? – perguntou Valéria, interessada.

- Sabe quem vai casar?

- Ai, fala logo, não vou aguentar de curiosidade.

- A Tatiana e o Paulo, aquele instalador de L.A. (linha de assinante).

Valéria vibrou e abraçou Tatiana.

- E eu nem sabia que vocês estavam namorando...

- Faz pouco tempo, mas é o suficiente para tomarmos esta decisão – respondeu Tatiana, enquanto agradecia os cumprimentos. Ela lançou um olhar triste para Paloma, Luíza e Natália enquanto ainda estava abraçada a Valéria, e as garotas sinalizaram que ela mantivesse a calma e demonstrasse alegria. Então, Tatiana sorriu para Valéria e confirmou a verdade incontestável: – Eu o amo e só o que quero é ficar com ele pra sempre.

Valéria ficou satisfeita com os esclarecimentos e ofereceu ajuda.

- Preciso de ajuda, sim. Deixa nós três sairmos hoje para darmos entrada nos papéis? 

- Você três quem? – ela logo perguntou, prevendo algo de errado.

- Eu, a Paloma e a Luíza, que eu escolhi como testemunhas.

Valéria verificou se a produção estava em ordem e permitiu. Tatiana pulou de alegria, abraçando-a novamente.

- Eu gostaria que você e o Ernesto fossem meus padrinhos. Aceita?

- Mas é claro que sim!

À tarde, como combinado, Paulo apanhou-as na portaria da empresa. Paloma e Luíza sentaram-se no banco de trás e começaram a cutucar Tatiana e Paulo.

- Comportem-se como noivos, vocês dois! – disseram elas, tentando atenuar a situação embaraçosa que os dois estavam vivendo.

Paulo perguntou para Tatiana o quanto da história as garotas sabiam e não escondeu o desagrado diante da resposta de que elas conheciam todos os detalhes e seriam suas aliadas.

- Elas são minhas amigas, Paulo. Não fique perturbado, porque confio nelas.

- Não há como não ficar perturbado, Tatiana.

- Você deve tentar ficar tranquilo. Além do mais, é preciso que você tenha muitas testemunhas da cilada que foi preparada por Elisabete.

- Tem razão.

Eles encaminharam o registro de pacto antenupcial, registraram assinaturas e depois de encaminhar toda a documentação, marcaram o casamento civil para sexta-feira, no final da tarde. Voltaram para a empresa e informaram Valéria para se preparar, e esta desconfiou:

- Tatiana, me conta uma coisa: você está grávida?

- Eu? Claro que não! – Tatiana arrependeu-se por ter respondido depressa demais e tentou emendar: – Mas eu quero ficar grávida logo.

Valéria soltou uma gargalhada e tranquilizou-se.

Para não levantar suspeitas, o falso casal optou por uma cerimônia rápida e um jantar com poucos convidados. Os pais de Paulo eram falecidos e Tatiana não queria que seu pai e sua mãe compactuassem com aquela mentira. Além disso, não haveria tempo para prepará-los. Aliás, tempo era um detalhe com o qual eles não podiam contar.

Tatiana passou a semana inteira aflita cuidando dos preparativos. Olhou para um álbum onde ela aparecia com os pais e pensou: “Pai, mãe, me desculpem, mas estou fazendo isso por amor. Não gostaria que fosse dessa forma, e logo eu vou visitar vocês e contar toda a verdade”.

Paulo mergulhou no trabalho para evitar qualquer contato antecipado com Elisabete. Em casa mantinha-se escondido e durante o expediente prendia a respiração cada vez que o celular tocava. Porém, na sexta-feira, Elisabete ligou em um momento de grande tumulto com uma instalação que o assinante, exaltado, rejeitara.

- Já assinou os papéis, Paulo?

- Já – respondeu ele. – Mas voltei a trabalhar e não tive tempo de falar com você.

- Para que trabalhar, querido? O contrato garante sua vida...

- Mas não me impede de exercer uma profissão – atalhou ele.

- Paulo, você está me fazendo de palhaça! Quando é que você vai vir?

- Amanhã, Elisabete, amanhã – respondeu ele, tentando ganhar tempo. – Pode marcar com seu advogado, que estarei aí amanhã à noite.

- Ótimo.

Ela pareceu satisfeita e desligou. Paulo respirou aliviado.