O sol já despontava no horizonte e seus raios tímidos penetravam no quarto de Tatiana, que observou o relógio no criado-mudo e tentou levantar de sua cama. Ela sentia-se tonta por causa da noite mal dormida e uma fraqueza momentânea fez com que ela voltasse a se sentar pesadamente sobre a cama. Ela tocou seu rosto e percebeu que estava muito quente, provavelmente estava com febre. Procurou forças para caminhar até a cozinha e tomou um copo com água. Encheu a chaleira e colocou-a sobre a chama do fogão, com a intenção de fazer café. A tontura e a fraqueza ainda a maltratavam e ela não conseguia enxergar através da visão turva.
Depois que o mal-estar passou, ela resolveu tomar banho e parou na frente do espelho. Não havia retirado as roupas que usara no casamento e por um instante permaneceu imóvel admirando a beleza que via na mulher diante do espelho.
Sua imaginação voou longe ao lembrar de Paulo. Ela imaginou como seria se o casamento tivesse dado certo. Teriam jantado e voltado para a casa dele, onde ele teria preparado um quarto separado para ela dormir. Tatiana tomaria banho e iria deitar-se, mas choraria porque desejava casar com Paulo de verdade. Tudo seria uma farsa e cada um deles continuaria sua vida sem que se encontrasse para conversar ou mesmo...
Tatiana sacudiu a cabeça para afastar suas fantasias, não se permitindo a ideia de desejá-lo e amá-lo. Paulo talvez se sentiria grato por ela ter tentado ajudar, mas nunca a amaria, porque seu interesse era claro: livrar-se de Elisabete.
Chorando, ela despiu-se rapidamente e atirou as roupas sobre a cama, seguindo para o banheiro, onde tomou uma ducha gelada. Saiu enrolada na toalha e foi passar um café bem forte. Ainda não sabia como iria explicar para as pessoas sobre seu casamento não realizado. Estava em dúvida se conseguiria sobreviver à experiência e se um dia alguém acreditaria na história fantástica que ela vivenciara.
Seus pensamentos tumultuados em nada ajudavam e após tomar o café, Tatiana foi procurar uma roupa no armário. Não sabia bem porque, mas desejava parecer bonita, não para alguém, mas para agradar seu próprio ego. Assim, vestiu um vestido amarelo de algodão e ficou descalça. Ela necessitava desesperadamente virar a página de sua vida e não encontrava um início, um motivo.
Enquanto pensava, ela ouviu batidas na porta e seu coração descompassou. Um tremor incontrolável percorreu todo seu corpo e ela prendeu a respiração. Desejou desesperadamente que Paulo tivesse voltado a procurá-la, porém, a imagem de Elisabete surgiu em sua mente. Tatiana imaginou a mulher vindo assassiná-la e sentiu pânico. Olhou em torno para procurar outra saída. Seu coração parecia latejar em sua garganta, pronto para saltar pela boca. Mesmo assim, ela enfrentou seu sistema nervoso e alcançou a porta. Contou até três para criar coragem e finalmente abriu.
Sem convite, três moças irromperam a casa, alegres e tagarelas. Traziam consigo alguns pacotes que colocaram na mesa da cozinha e desembrulharam, revelando um verdadeiro banquete, com direito a bolo, salgados, geleia, pão e frutas. Tatiana ainda estava parada na porta semiaberta, esperando entender tudo aquilo. Finalmente reagiu, fechou a porta e veio abraçar as amigas.
- Fala a verdade, fala, você estava esperando a gente, não é? – disse Luíza.
- Não, eu...
- Fala sério, Tati! Você tem alguma bola de cristal escondida por aí – declarou Paloma, muito divertida.
- Bola de cristal? – Tatiana estava confusa.
- E a gente pensou que ia te encontrar de pijama, com olheiras, olhos inchados, cabelo em pé! Você tá bonitona, hein! – exclamou Natália, com descontração.
- Meu Deus! Como eu precisava de vocês aqui comigo – admitiu Tatiana, sorrindo de orelha a orelha.
- Tem certeza? Olha, é bom não rezar muito que Papai do Céu atende os pedidos da gente rapidinho – disse Paloma.
- É, Ele fala com todo mundo, menos comigo – reclamou Luíza.
- É porque você não sabe ouvir Ele – logo respondeu Natália.
Tatiana convidou as amigas para sentarem em torno da mesa e deliciaram-se com as guloseimas. Falaram de tolices, fofocas e futilidades, tudo para agradar e alegrar Tatiana, que não cabia em si de contentamento. Ninguém tocou no assunto do casamento, dando um ar de leveza àquela manhã de sábado.
- E agora me digam pra que tudo isso? – perguntou Tatiana, apontando para o alegre café da manhã preparado pelas três garotas.
- Pensei que você nunca mais ia perguntar – comentou Paloma. – Nós viemos fazer uma proposta bem interessante pra você...
- Tenho até medo de perguntar – falou Tatiana, divertida.
- Fala logo, Paloma – incentivou Natália.
- Não, fala você, Natália.
- Não, então você fala, Luíza.
- Já sei, vamos falar juntas. Um, dois, três... Nós viemos te convidar para dar um passeio no Centrooooooo!
Tatiana pensou um instante e as moças ficaram em silêncio. De repente, baixou um clima esquisito e todas se sentiram pouco à vontade. Mas a tensão se dissipou quando Tatiana anunciou:
- Aceito o convite. Eu ia mesmo dar uma volta por aí. E acompanhada é bem melhor.
Assim, Tatiana calçou as rasteiras, apanhou uma bolsa e seguiu abraçada com elas. A companhia das amigas fazia com que ela não pensasse no dia anterior. Parecia que nada havia acontecido e elas estavam se divertindo muito. Os comentários descontraídos não escolhiam lugar ou hora. Elas incentivaram Tatiana para comprar uma roupa nova e foram ao shopping Mueller ajudá-la a experimentar algumas peças. Quando observou sua imagem no espelho, Tatiana não se reconheceu, pois a combinação de roupas era totalmente fora de seu estilo. Mesmo assim, gostou daquele estilo descontraído e jovem. Retirou as etiquetas e saiu vestida com as roupas novas.
- Agora falta um corte de cabelo – anunciou Paloma.
- Boa ideia – ajudou Luíza.
- O que vocês vão fazer com meu cabelo? – perguntou Tatiana, assustada.
- Nós, nada. Quem vai fazer é o cabeleireiro. Vamos lá! – falou Natália, decidida.
Assim, encorajaram Tatiana a mudar o visual, coisa que ela mesma já havia pensado em fazer, mas não realizava suas intenções por medo do resultado. Então escolheu um corte através de sua foto no computador e tomou coragem para mandar cortar.
Depois, resolveram almoçar na praça de alimentação do próprio shopping e continuaram rindo e jogando conversa fora. As horas passaram rapidamente e elas nem se deram conta. Subitamente, dois sujeitos que trabalhavam na mesma empresa em outros setores pararam Paloma, Luíza e Natália, cumprimentando-as alegremente.
- Vocês não vão apresentar a amiga de vocês? – perguntou um deles, olhando maliciosamente para Tatiana, que ficou ruborizada. Paloma e Luíza caíram na gargalhada e eles não entenderam o que haviam dito de tão engraçado.
- Ela é uma das meninas que trabalha com a gente – respondeu Paloma, assim que conteve o riso.
- É, a Tatiana – emendou Luíza. – Vai dizer que não se lembra dela?
- É que... ela tá diferente. – Eles estavam admirados e deram beijos no rosto de Tatiana, que ficou ainda mais encabulada.
- Diferente, nada! Vocês é que nunca veem a gente direito – censurou Natália. – Vem, gente, vamos indo!
Elas seguiram para a escadaria da entrada principal do shopping, enquanto os dois homens continuaram parados, boquiabertos.
- Eu fiquei tão diferente assim? – indagou Tatiana, meio apreensiva.
- Que nada! Eles são uns chatos mesmo.
Elas acompanharam Tatiana até sua casa e em seguida voltaram para as próprias residências: Luíza para o Jardim Paraíso, Natália para o Vila Nova e Paloma para o Saguaçu.
Tatiana entrou na casa escura e foi direto para o quarto quando ouviu o telefone tocar. Devagar, ela se aproximou do aparelho e acendeu o abajur para verificar o número no identificador de chamadas. Toda a felicidade do dia foi apagada de sua face enquanto ela decidia se atendia a ligação. Ela suspirou quando o aparelho finalmente parou de chamar.
- Ele nunca me amou – afirmou ela, para se convencer a não procurar Paulo, pois amor era um sentimento que ela jamais poderia cobrar dele.
Entretanto, sabia perfeitamente que não poderia convencer seu coração a desistir do amor por ele. Tentaria evitar o reencontro, por mais que desejasse o contrário.
Ela trocou de roupa e deitou-se. O dia havia sido cansativo e ela não demorou a dormir. Não se permitira pensar em Paulo quando ouvira novamente o telefone, mas não era capaz de evitar que aparecesse em seus sonhos, seu amor refletido em seu subconsciente, incontrolável e de vontade própria.