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Joinville, Santa Catarina, Brazil

OS CONTADORES DE HISTÓRIAS - 4ª PARTE



Uma semana depois, quando tudo parecia ter se acalmado e Cláudia retomado a sua monótona vida de estudante, lá estava ela, debruçada sobre a mesa, com olhar vago e pensamento distante da aula que assistia.

- E então, quem pode responder a minha pergunta? Cláudia, sua vez.

Fernanda cutucou Cláudia, que parecera acordar de um sonho.

- Ãh? O que a senhora disse?

- O que me diz sobre André Breton?

- Ah, ele é ótimo! Gosto muito dele. É um excelente ator.

A turma explodiu em riso, enquanto Benedita, perplexa, observava Cláudia.

- Querida, estamos na aula de literatura e até onde eu sei André Breton não vive mais há um bom tempo...

Cláudia desculpou-se e saiu da sala. Fernanda seguiu-a, preocupada.

- O que aconteceu, Cláudia?

- Nada. Dormi mal.

- Você está preocupada demais com os outros, isso sim. Tem que dar tempo pra você.

- É, eu não estou com cabeça pra nada hoje – desabafou.

- Eu sei. Já marcaram o julgamento do Antônio, não é? – adivinhou Fernanda.

- É. E a Patrícia é a única que pode ajudá-lo, mas ela se nega a falar.

- Como você sabe?

- Minha mãe visitou a Dona Adelaide essa semana. Dona Adelaide diz que Patrícia sofreu um trauma e por isso não reage. É como se fosse desprovida de sentimentos.

- Deve estar sendo sedada o tempo todo, Cláudia.

- Eu sei. Fui eu quem causou isso, está lembrada? Mas deixa eu ir. Preciso ficar sozinha.

Fernanda suspirou enquanto observava a amiga desaparecer no corredor.

Cláudia foi a pé para casa, aproveitando a caminhada para espairecer. Lembrou que, em um dos dias que fora ao hospital contar histórias, perguntara para a enfermeira sobre o estranho aparecimento de Antônio no hospital. A enfermeira disse que um policial fardado havia invadido o quarto de Patrícia, por volta das 20h30min e só não prejudicou a moça ainda mais porque a enfermeira de plantão apareceu. Cláudia estranhou que esta enfermeira tivesse dado depoimento dizendo que era Antônio, porque ela não o conhecia.

Tudo estava muito confuso. Antônio dissera ter sido liberado às 21 horas. O delegado afirmara 20 horas. Quem estaria mentindo? Por mais que Cláudia pensasse, não chegava a lugar algum.

Aproximando-se de sua casa, um homem esbarrou com ela, derrubando suas coisas no chão. Eles abaixaram-se para ajuntar os livros e o homem fixou os olhos nela.

- Desculpe, eu estava distraído – disse ele, sorrindo, enquanto ficava de pé para acompanhar o movimento rápido de Cláudia.

- Eu também estava. Eu é que peço desculpas – falou ela, retribuindo o sorriso, mas momentaneamente insegura. Ele tinha olhos claros perturbadores e especulativos.

- Fico feliz por ter esbarrado em uma garota tão bonita.

Cláudia ficou sem graça.

- Gostaria de dar um passeio comigo hoje à noite?

Surpresa com a audácia do convite, Cláudia balbuciou uma negativa disfarçada por um pedido de desculpas, que não convenceu o estranho. Usando todo seu charme, o homem insistiu e por pouco ela aceitou. Resolveu evitá-lo, dizendo:

- Quem sabe a gente se encontra por aí.

Cláudia entrou na casa e observou pela cortina. O homem havia desaparecido. Ficou intrigada com aquele encontro supostamente casual e registrou o ocorrido no diário.

.......

Desde que Cláudia e Fernanda se envolveram no caso de Antônio, não tiveram momentos de sossego devido à dedicação excessiva e quase suspeita de Cláudia em resolver o caso. E como era de se esperar, Cláudia levantara agitada naquela manhã do primeiro julgamento de Antônio. Praticamente madrugara e, ao telefonar para Fernanda sentia uma apreensão crescente. Combinara tudo com a amiga no dia anterior, mas não podia permanecer em casa só aguardando o momento do julgamento. Recebeu uma boa bronca de Fernanda por ter ligado tão cedo, mas conseguiu que a amiga se encontrasse com ela na frente do fórum dentro de uma hora.

- É muito cedo, Cláudia, mas pelo menos passamos o tempo conversando e não colocando minhoca na cabeça.

Mais tarde, quando entraram no tribunal e acomodaram-se nas cadeiras, presenciaram a entrada do réu, um inocente, como afirmava Cláudia. Só então Cláudia se deu conta do aspecto abatido de Antônio frente a tanta humilhação.

Cláudia e Fernanda observaram o pai de Patrícia com olhar fulminante sobre Antônio. Ricardo amparava a mãe e torcia pela condenação do suspeito.

O promotor fora cruel e enfático na acusação. Manipulou habilmente as testemunhas, de modo que elas se confundiam nos depoimentos. Mesmo assim, o julgamento fora suspenso por falta de provas, o que dava a Antônio algum tempo para trabalhar em favor da própria defesa. Ao mesmo tempo em que Antônio enfrentava o drama de ser preso injustamente, sentia ódio do sujeito que praticara a maldade contra sua namorada. Desejava vê-la, falar com ela, mas enquanto o processo estivesse em andamento, ele não tinha liberdade para visitá-la. Soube por meio de outras pessoas que Patrícia não reagia ao tratamento. Estava cada vez mais magra, mais pálida e sofria calada, preferindo o silêncio como forma de consolo.

Pouco antes do julgamento, o delegado Ivan havia estado no hospital para tomar depoimento.

- Boa tarde, Patrícia – disse ele, em tom carinhoso inicialmente. – Sabe, a polícia precisa da sua ajuda para que o homem que te estuprou seja preso. Você quer ajudar, não quer?

Patrícia olhou para Ivan sem responder. Não havia dito uma palavra sequer desde que a encontraram inconsciente. Ivan caminhou para o lado da cama, um pouco impaciente pela falta de resposta.

- Querida, pode confiar em mim. Você é uma moça muita bonita e tenho certeza de que é inteligente também. Preciso de seu testemunho para incriminar aquele cafajeste.

Patrícia permaneceu impassível.

- Veja bem, Patrícia. Não quero que me conte o que ele fez a você. Você tem todo direito de não querer falar. Eu falo, e você responde com um gesto. Combinado?

Ivan não tinha tempo a perder com ela. Tinha uma filha da mesma idade de Patrícia e doía-lhe ver aquela moça naquele estado. Tomar o depoimento de uma jovem naquelas condições não era de sua vontade, mas o pai de Patrícia o colocara contra a parede, pois queria a todo custo prender Antônio, logo o melhor da equipe, o mais humano. Ivan ainda custava a crer que Antônio a tivesse maltratado. Queria investigar mais, entretanto, Ronaldo afirmava que Antônio era o culpado. E havia provas contra Antônio. Ivan suspirou e decidiu por arrancar da moça o testemunho de que tanto necessitava.

- Eu sei ser muito bom, Patrícia. Mas estou perdendo a paciência. Diga, foi Antônio?

Patrícia não ajudou.

- Responda, moça! Sua vida depende disso. Não posso deixar o malandro solto!

Ivan sacudiu-a com firmeza e a primeira reação foi o choro. Em seguida, o desespero. Patrícia gritou, esperneou, não tinha condições emocionais para depor.

Os enfermeiros vieram socorrê-la e a mãe aparecera no mesmo instante.

- O senhor não tem vergonha do que fez? Não tem coração? Não pensou que podia ser sua filha a tomar o lugar dela? – Dona Adelaide, de tão nervosa, expulsou Ivan do quarto de recuperação.

Ivan esfregou a cabeça e saiu sem dizer palavra.

O assunto chegou à universidade. Todos se revoltaram. Os amigos de Patrícia resolveram acompanhar o assunto mais de perto. Foram solidários com Antônio, com exceção de Ricardo.

- Vocês têm que colocar na cabeça que poderia ter acontecido com qualquer uma de vocês! Por isso, esse criminoso tem que ir pra cadeira! – exclamou Ricardo.

- Não o culpo – disse Fernanda. – Afinal, é sua irmã.

Depois de acompanharem o primeiro dia de julgamento, Cláudia e Fernanda se encontraram com Antônio em uma lanchonete.

- Vocês não sabem como é duro para mim. Às vezes, penso que vou enlouquecer. Tenho tanta saudade da Paty.

- Antônio, como eles podem ter tanta certeza se você estava em treinamento no dia do ocorrido? – perguntou Cláudia.

- Não tenho álibi, porque no dia eu saí para comer um lanche, só que o dono do carrinho de lanche, que poderia me inocentar, não foi mais localizado.

- Mas, Antônio... – continuou Cláudia. – Você não está reagindo. Tem que fazer alguma coisa para se ajudar...

Ele não respondeu, porque sabia que a recém amiga estava com a razão. A vergonha e a revolta pareciam profundamente impregnadas em seu ser e no coração havia amargura e desistência de lutar. A resistência inabalável que apresentava diante dos casos que resolvia tornava-o um homem seguro e com domínio da situação. Já havia acompanhado casos de violência sexual e lamentava pela vítima. Entretanto, quando passou a fazer parte da situação, vivendo na pele um dilema como aquele, perdeu toda a autoconfiança. Baixou os olhos para o copo de suco, envergonhado por não saber lidar com tudo aquilo.

- Não pode se abalar... – ajuntou Fernanda. – Patrícia precisa do seu empenho.

- Eu sei – suspirou ele. – Mas por que ela não me defende? Ela sabe que não fui eu.

- Ela pode estar sendo ameaçada – refletiu Cláudia, no mesmo momento que a ideia lhe ocorreu. – Lembra que te acusaram de invadir o hospital?

- Mas não fui eu. – Antônio olhou-a com desconfiança.

- Eu sei. Não se preocupe. Sempre acreditei que você é inocente.

- Eu também – reforçou Fernanda.

- Vocês podiam fazer um favor para mim? – pediu Antônio.

- Não nos metermos no caso? Infelizmente, você terá problemas. Nunca vamos cumprir esse acordo – respondeu Cláudia, sorrindo.

- Não era bem isso. Não sabem como agradeço por estarem do meu lado. Vocês são minhas únicas esperanças.

- Bobagem... – disse Cláudia. – A verdade vai aparecer. Mas diga o que quer.

- Se vocês visitarem a Paty, queria que dissessem a ela tudo isso. Que eu não fugi, mas que estou sendo acusado. E que a amo. E que sem ela não sei viver.

- Combinado.

Eles despediram-se. Fernanda acompanhou Cláudia até a casa dela. O sujeito misterioso reapareceu.

- Oi, gata! Trouxe uma surpresinha para você! – falou ele, alegremente, enquanto estendia um generoso buquê de rosas vermelhas na direção de Cláudia. Ela, por sua vez, apanhou o presente e agradeceu.

- É um presente para a garota mais linda do mundo! – continuou ele, empolgado.

- Eu não mereço esse título...

- Merece, sim. O convite para sair ainda está de pé.

- Obrigada, mas... eu nem sei ainda o seu nome.

- Maurício. Muito prazer. – Ele beijou a mão dela, o que deixou Fernanda maravilhada.

- Cláudia. O prazer é meu.

- Quando se decidir, estarei aqui.

Maurício foi embora e Cláudia ficou imóvel, segurando o buquê, tentando entender o jeito fácil de Maurício aproximar-se de alguém. “Que tipo de relacionamento começa assim?”, pensou Cláudia, tentando impedir que a situação criasse maiores problemas. Fernanda, no entanto, estava entusiasmadíssima.

- Cláudia, quem é esse gato?

- Foi um cara que esbarrou comigo outro dia.

- Ah, e você não me contou nada? Que espécie de amiga pensa que sou?

- Eu não o achei tão interessante.

- O quê? Esse deus grego?! E ainda está super apaixonado por você.

- Pára, Fê. Vai devagar.

Elas entraram na casa de Cláudia para estudarem juntas, mas o ocorrido não lhes deu espaço para pensarem em outra coisa. Quando Fernanda finalmente se despediu e foi embora, Cláudia passou o restante do dia suspirando por Maurício.

.......

Passava das 10 horas da manhã do dia seguinte ao julgamento quando Antônio entrava na delegacia. Incentivado pelo otimismo e confiança que as duas garotas depositavam nele, finalmente se decidira a procurar Ivan para levantar maiores informações. Antônio já previa que sua chegada seria motivo de reprovação e a movimentação dos policiais de campo e internos levou à confirmação de sua teoria. Os poucos passos que precisou dar para chegar à sala do delegado pareceram interminavelmente torturantes.

- Fui informado de que você estava vindo – falou Ivan, num tom formal. Estava debruçado sobre a escrivaninha analisando alguns boletins de ocorrência. – O que faz aqui?

- Vim em paz, quero conversar – explicou Antônio, engolindo em seco, mas tentando parecer mais à vontade do que realmente se sentia.

- O que espera conversar? Você é o suspeito número um de um crime hediondo que abalou uma comunidade – alegou Ivan, levantando-se de seu lugar e guardando uma pasta dentro de um arquivo metálico do outro lado da sala. – Quem sabe quer um café? – ofereceu Ivan, com uma ironia irritante.

Antônio respirou profundamente e explicou que desejava ele mesmo descobrir o autor do crime e provar que não havia outro envolvimento que não o amor entre Antônio e a vítima. Sabia que Ivan não o condenava, mas estava sendo pressionado a desistir da investigação.

- Não posso fazer o que me pede, Antônio – desculpou-se Ivan, andando em círculos na sala.

- Eu só quero uma chance de limpar meu nome, delegado – insistiu Antônio. – Só assim poderei pegar o verdadeiro criminoso.

Ivan suspirou, coçou a cabeça, andou em volta de Antônio, parou diante da janela.

- Muito bem. A partir deste momento está reintegrado na equipe. Mas vou avisando que vou ter problemas por sua causa. – Ivan estendeu a mão para Antônio e sorriu. – Bem vindo, policial. – Antônio retribuiu o gesto. – Ao trabalho!

- Sim, senhor!

Antônio deixou a sala e retomou suas atividades, não longe do preconceito alheio. Procurou com companheiros atualizar-se sobre os casos. Em seguida, pegou a chave da patrulha e saiu assobiando, ignorando as dúvidas que pairavam no ar.

.......

Cláudia e Fernanda caminhavam na calçada, prontas para atravessar a rua, quando viram a patrulha parar logo adiante. Antônio desembarcou e convidou-as para entrar. Já acomodadas, elas fizeram mil e uma perguntas de uma vez só. Antônio não cabia em si de satisfação.

- Para onde vocês estão indo?

- Para o hospital, onde a... – começou Cláudia, sem concluir a frase.

- Sei. Vou para lá também. – Cláudia e Fernanda pouco entenderam. – Sabiam que a ordem de não permitir minha entrada foi suspensa?

- Jura? – perguntou Cláudia, arregalando os olhos, contente com a notícia.

- E graças a vocês.

- Como assim? – perguntou Fernanda, desconcertada.

- Enquanto todos estavam contra mim, vocês acreditaram na minha inocência o tempo inteiro. Vocês foram minha salvação.

Ele manobrou o veículo para passar pela portaria. Em seguida, parou no estacionamento.

- Preciso ver a Paty.

- Ficamos felizes por você, Antônio.

- É. Torcemos por você e Paty.

Elas foram ao encontro de Benedita na ala pediátrica. Antônio cumprimentou o policial na entrada do quarto de Patrícia. Apresentou o distintivo e entrou.

Ele caminhou vagarosamente até Patrícia. Ela já tinha um aspecto melhor, mas ainda parecia sedada. Antônio beijou uma das mãos dela.

- Paty, eu te amo tanto... – sussurrou ele.

Para sua surpresa, Patrícia reagira. Moveu vagarosamente a cabeça na direção dele, tentando afastar a sonolência e a confusão inicial. Em seguida, sorriu para Antônio.

- Paty, minha querida. Eu tive tanto medo de não poder mais ver você...

Comovido Antônio chorou. Patrícia levantou o braço com soro e limpou o rosto dele.

- Eu prometo que vou acabar com o cara que fez você sofrer tanto.

Patrícia teve nova reação. Inquieta, movimentava a cabeça para os lados, tentando se comunicar.

- O que foi, Paty? Não fique assim, querida. Acalme-se, vamos.

Patrícia sentou-se na cama e abraçou Antônio. Acariciou o rosto dele, mas não proferiu uma palavra sequer. Em seus olhos, porém, se percebia uma grande agitação.

- Querida, você sabe que não fui eu, não é? – Ela fez um gesto afirmativo. – Quem foi, Paty? Eu preciso prender aquele canalha!

Ela chorou silenciosamente e o abraçou mais uma vez. Sabia que o namorado também estava sofrendo.

- O que aconteceu pra você não querer falar? Se você pudesse falar, poderia me inocentar, e eu me livraria deste processo – desabafou, enquanto afagava os cabelos e o rosto dela e segurava a mão dela entre as suas.

Observou a ternura em seu olhar e acomodou-a no travesseiro. Deu-lhe um beijo na fronte e saiu do quarto um pouco mais aliviado por ver que ela estava se recuperando. Apesar disso, sua cabeça estava a mil por hora, decifrando enigmas de fragmentos dos depoimentos. As acusações, a humilhação, as mentiras, o sofrimento da mulher que amava, tudo, tudo o torturava incessantemente.

Esperou no estacionamento por Cláudia e Fernanda. Estas o encontraram chorando.

- O que aconteceu, Antônio? Não deixaram você ver a Paty? – perguntou Cláudia, assustada.

- Não... pelo contrário, eu a vi, sim. Falei com ela. Expliquei tudo. Depois que saí, percebi que fui um canalha com ela.

- Do que você está falando, Antônio? Não me diga que você enganou a gente... – disse Cláudia, com medo da resposta.

- Eu a amo, amo como jamais pudesse sentir coisa igual. Mesmo assim, não fui capaz de protegê-la. Não cometi a violência contra ela, mas é como se tivesse sido responsável, porque fui eu quem não cuidou dela.

Cláudia e Fernanda tranquilizaram-se. Ele também estava sofrendo.

- As coisas acontecem – começou Cláudia. – Poderia ter sido com qualquer uma de nós.

- Eu sei. Mas a Paty tinha tantos sonhos. Ela pediu o meu carinho e o meu amor várias vezes, e eu neguei. Quis fazer tudo certo, com pedido de namoro ao pai dela. No fim das contas, quis fazer do meu jeito. Fui um egoísta. Deixei a Paty cair nas mãos de um psicopata.

- Não se culpe, Antônio. Você a ama, e é isso que vale. É importante ela saber que depois de tudo o que aconteceu, ela ainda pode contar com o seu amor – ajudou Fernanda.

- Será? – perguntou Antônio, esfregando os olhos.

- Você está querendo desistir dela?

- Talvez.

- Mas isso é o cúmulo! – exclamou Cláudia, repentinamente zangada. – Você está com pena de você mesmo, cara! Está com seu orgulho ferido, arrependido de coisas que não estão ao seu alcance. Será que as coisas acontecem por acaso? Ou é destino, ou será que Deus quis testar o amor que você diz sentir pela Paty?

- Cláudia... calma. O Antônio já tem sofrimento que chega – Fernanda tentou argumentar.

- Ah, sofrimento, é? – continuou Cláudia, sarcástica, gesticulando. – Sofrimento é o que aquela moça que você afirma amar passou e está passando. Sofrimento é você ser violentada sem poder fazer nada para se defender. Gritar e ninguém te ajudar. Levar surras, ser massacrada e ficar jogada até alguém aparecer para procurar. Isto sim é sofrimento, Fê! E o Antônio não sabe o que a Paty está sentindo. Humilhação, vergonha, está se achando culpada quando não é. Prefere morrer quando imagina que as pessoas estão sabendo de sua agonia. E pra esse tipo de sentimento, o Antônio não dá a menor importância.

Cláudia olhou bem nos olhos dele.

- Vamos, Fê! Melhor deixar o Antônio aí, morto de pena dele mesmo.

Antônio ficou imóvel, vendo as se moças afastarem. Não tinha forças para mais nada naquele dia. As palavras duras de Cláudia deixaram-no ainda mais deprimido.

Voltou para a delegacia, onde entregou a viatura e resolveu caminhar pelas ruas escuras à procura de consolo.

OS CONTADORES DE HISTÓRIAS - 3ª PARTE




Cláudia e Fernanda seguiram o sentinela através de um corredor escuro e úmido. Todas as celas estavam lotadas e os detentos lançavam olhares especulativos sobre as duas garotas, além de desrespeitarem-nas com insinuações maldosas. Fernanda enrugou a testa e cochichou algo com Cláudia, mas a amiga pouco se importava com as frases mal feitas ditas pelos homens. Mesmo assim, Fernanda reclamou:


- Cláudia, que furada que você meteu a gente! Eles pensam que nós duas somos da vida, e com razão, porque o que mais haveriam de pensar sobre duas garotas aqui nesse lugar...


- Eles podem pensar o que quiserem sobre a gente – falou Cláudia, sem se alterar. – Somente nós sabemos o que somos de verdade.


Elas aproximaram-se cautelosamente de uma cela menor, onde Antônio estava isolado. “Ele não merece isso”, pensou Cláudia. “Está sofrendo por Patrícia, sendo corroído pela culpa de não a ter protegido e ainda para completar a catástrofe de desentendimentos, fica aí, separado dos outros, como se fosse um criminoso de verdade.”


- Tem certeza de que desejam entrar? – perguntou o carcerário, interrompendo Cláudia em sua reflexão. – Ele é culpado por um crime hediondo – declarou o homem, orgulhoso de seus conhecimentos. Cláudia reafirmou sua decisão e após o homem ter destrancado a porta enferrujada, ela e Fernanda tomaram lugar no cômodo minúsculo.


- Oi – cumprimentou Cláudia. – Viemos visitar você.


- Como está? – Fernanda indagou, assustada com o aspecto de Antônio.


- Estou curtindo umas férias, não estão vendo? Estou preso nesta masmorra, e apesar disso, ainda posso ter o prazer de receber a visita da família real.


Elas engoliram a ironia e se aproximaram dele.


- Vão embora!


- Não. Queremos conversar com você. Não se lembra de nós? Somos amigas.


Antônio observou Cláudia por trás do olho roxo.


- Puxa, quem te machucou desse jeito? – perguntou Cláudia, tentando quebrar o gelo.


- Mandaram o Mike Taison para um amistoso comigo. Já sabem quem venceu?


“Outro sarcasmo”, pensou ela. Mas havia uma maneira de chegar até ele.


- Viemos trazer notícias da Paty.


- Como ela está? – perguntou Antônio, movendo-se rapidamente na direção de Cláudia. – Por favor, diga como ela está!


- Posso me sentar? – pediu Cláudia. Antônio apontou o catre. – Tentamos falar com ela, mas Paty não responde. Olha assustada pra nós e se não fossem as dores acho que correria de nós. O psicólogo disse que é uma atitude normal para o caso dela. Mas ainda penso que ela está escondendo a verdade por uma razão muito óbvia – afirmou Cláudia, enquanto estudava atentamente a expressão de Antônio, que tentava absorver as palavras.


- Neste lugar nada me parece mais óbvio do que a injustiça – desabafou Antônio, baixando a cabeça.


- Eu posso imaginar como você se sente. Mas não desanime, porque tudo vai ser esclarecido, você vai ver.


- Isso mesmo – continuou Fernanda, procurando o que dizer, embora não estivesse muito convicta de sua atitude. Ainda achava tudo aquilo uma loucura. – Essa história de vocês merece um final muito feliz.


Conversaram ainda durante alguns minutos e Cláudia pôde deduzir que a razão para o silêncio de Patrícia seria uma possível ameaça. Cláudia encerrou a conversa quando se deu conta da presença do carcereiro alertando sobre o término da visita.


- Tchau, Antônio – disse Fernanda.


- Tchau, amigo. Se cuida – disse Cláudia.


Antônio segurou a mão de Cláudia e ela surpreendeu-se com as lágrimas dele.


- Obrigado – murmurou ele, engolindo as lágrimas.


- Eu estava certa – Cláudia sorriu para ele e olhou para Fernanda, que também observava a esperança nos olhos dele se confundindo com a tristeza. – Você não é nenhum psicopata. Agora sei por que a Patrícia te ama tanto. Vamos, Fernanda!


Elas deixaram a cela e Antônio deitou-se no catre, dando vazão a sua tristeza.


.......


Na manhã seguinte, Cláudia e Fernanda resolveram visitar Dona Adelaide para consolá-la. Encontraram-na abatida, cansada e revoltada com a situação da filha.


- D. Adelaide, nós sentimos muito, muito mesmo. Nós sabemos como tudo isso é doloroso.


- Obrigada – respondeu a mãe de Patrícia, com o rosto envelhecido pelo sofrimento. – Preferia que isso tivesse acontecido comigo, mas não posso perdoar aquele maníaco! Eu gostava dele, achei que a Paty estaria bem nas mãos dele. Agora me arrependo amargamente de não ter dado ouvidos ao meu marido.


- Não chore, D. Adelaide – disse Fernanda, correndo para ampará-la. – Nós temos boas notícias para a senhora. O Antônio não é o culpado.


- E como sabem disso? – perguntou ela, desconfiada.


- Intuição – respondeu Cláudia. – Ele ama a Patrícia. Jamais faria nada que a magoasse ou ferisse.


- Mas quem foi então? – perguntou Adelaide, quase desesperada.


- É isso o que pretendemos descobrir. Agora a senhora nos dá licença, temos muito trabalho a fazer.


- Eu também vou tratar de me arrumar um pouco e ir ao hospital para cuidar de minha filha – anunciou ela.


Cláudia e Fernanda despediram-se de Adelaide e deixaram a casa, caminhando com tranquilidade pelas ruas do bairro.


- Espero que não tenha esquecido nosso encontro com a D. Benedita, Cláudia.


Cláudia parou de chofre.


- Ah, meu Deus! Vamos chegar atrasadas de novo! – disse Cláudia, olhando no relógio e correndo para alcançar o ônibus que parara no ponto.


........


Benedita batia o pé nervosamente no chão, à espera das duas estudantes, até que avistou as moças correndo pela portaria. Cláudia e Fernanda chegaram ofegantes e cumprimentaram-na meio sem graça.


- Pensei que teria que cancelar o conto hoje. Danilo tinha outro compromisso no emprego, Ricardo não tem cabeça para nada – nada mais justo, e Vera me telefonou avisando que estava com enxaqueca. E vocês...


- Estávamos na casa da Dona...


- ... Alci – interrompeu Cláudia, piscando para Fernanda. – Tínhamos dúvidas com a dinâmica de História. Acabamos nos atrasando. Desculpe.


- Tudo bem, mas procurem se esforçar para não deixar isso acontecer mais uma vez. Vamos andando.


Logo que chegaram, contaram a história dos Três Porquinhos para as crianças. Felizmente, elas puderam ouvir até o fim. Benedita, Cláudia e Fernanda receberam uma salva de palmas no final.


- Obrigada – agradeceu Benedita. – Na semana que vem tem mais.


Elas caminharam em direção ao quarto em que Patrícia estava de recuperação. Entretanto, um policial não as deixou entrar.


- Mas queremos vê-la. Somos amigas...


- Infelizmente não podem entrar. Ordens do delegado.


- Mas por quê? – perguntou Cláudia, indignada.


- Discutam o caso com o delegado. Eu tenho ordens para cumprir.


Benedita, incrédula, fez sinal para que as moças obedecessem. No pátio, Cláudia não se deu por vencida.


- Tem alguma coisa errada.


- Claro que tem, Cláudia. É a sua paranoia! – resmungou Fernanda, aborrecida. – Pra mim, chega! Eu vou pra casa.


Fernanda atravessou a portaria e se perdeu no tráfego fervilhante. Benedita ofereceu carona para Cláudia, mas esta recusou.


- É que... já tenho carona, D. Benedita – desculpou-se a moça.


- Já sei, já sei. Não precisa explicar. Vou embora para não deixá-la constrangida quando seu namorado aparecer.


Cláudia nada respondeu e esperou que Benedita saísse do hospital. Quando a perdeu de vista, começou a caminhar, decidida.


Foi parar na delegacia, procurando pelo delegado Ivan. Com muita insistência, conseguiu vê-lo.


- O que há, mocinha? Tenho muito que fazer – declarou ele, observando entediado a garota.


- Quero saber por que há um de seus homens evitando a entrada das visitas de Patrícia – ousou ela, sem qualquer constrangimento.


- Mas é muita audácia da sua parte querer interferir no trabalho de um delegado de polícia! – ralhou, impaciente. – Mandei e está acabado! E não vou ficar aturando uma adolescente mimada.


Cláudia não se ofendeu com a grosseria de Ivan. Imaginou que Ivan fosse um delegado corrupto que aceitava dinheiro em troca de pequenos favores. Poderia muito bem estar sendo pago por alguém para condenar Antônio. Entretanto, suas suspeitas teriam que ser melhor investigadas e ela preferiu evitar um confronto direto e inútil e apenas declarou:


- Vou convencer o senhor que isso não é o melhor a fazer.


Ivan suspirou, cansado.


- Você é muito petulante, mocinha.


- Meu nome é Cláudia.


- Muito bem, Cláudia. O policial está lá pela seguinte razão: o advogado de Antônio conseguiu um habeas corpus e Antônio foi libertado. Em seguida invadiu o hospital e ameaçou a moça. Para controlá-la, ela foi sedada.


- Mas eu e a minha amiga estivemos com o Antônio ontem, aqui na cela. Como ele podia estar em dois lugares ao mesmo tempo?


- Ele foi liberado às 20 horas, saiu daqui e foi direto para o hospital.


- Mas não pode ser...


- Não se iluda, garota. Ele é um marginal. Agora me dê licença.


Cláudia, tomada de uma incapacidade de reação, caminhou até a porta e parou para atender o chamado de Ivan.


- Eu recomendo que você pare de brincar de detetive. Ou poderá se machucar... como Patrícia.


- Farei isso – respondeu Cláudia, tentando engolir o nó que se formara em sua garganta.







Faltava pouco para o meio-dia quando Cláudia chegou em sua casa e telefonou para Fernanda.


- Ele me enganou, Fernanda. Eu tinha tanta certeza... É, você tinha razão, sim... Vou escutar você nas próximas vezes. Tchau.


Mesmo que as evidências levassem a crer na culpa de Antônio, Cláudia tinha suas dúvidas. Desabafou com a amiga, mas ainda havia algo dentro dela que não a convencia. O impacto com as novas acusações causara-lhe desapontamento, mas depois que Cláudia refletiu, imaginou que o plano para tirar a liberdade de Antônio tinha muito mais armações do que poderia prever. Teria que ser muito mais cautelosa se quisesse realmente ajudar Antônio e Patrícia a enfrentar a crise. Decidiu cuidar de sua simples vida de estudante, enquanto não prosseguisse com a investigação particular.


À tarde, ela encontrou-se com Fernanda na universidade e com a turma. Discutiam sobre um projeto acadêmico. Vera, por sua vez, mal escutava o que diziam.


- Algum problema, Vera? – perguntou Fernanda, quando percebeu que a colega estava com o pensamento distante.


- Ela levou um fora ontem – respondeu Danilo, antes que Vera sequer abrisse a boca para uma desculpa.


- Do Ricardo? – foi a vez de Cláudia.


- Eu tô pouco me importando com o Ricardo! – explodiu Vera. – E querem saber, eu quero que ele morra!


Vera abandonou o grupo, andando com falsa grandeza.


- Ih... foi um fora daqueles – deduziu Cláudia, avaliando a reação de Vera. – Mas o que ela queria? Foi sozinha na festa, ficou com todo mundo, bebeu, aprontou, foi o centro das atenções. É claro que ia cair nos ouvidos do Ricardo.


- A propósito, a irmã dele já melhorou? – perguntou Débora, outra colega. Eu soube o que aconteceu. Meus pais me contaram ontem à noite. Recomendaram umas mil vezes para eu não me aproximar do pessoal da polícia.


Cláudia permaneceu em silêncio. Fernanda tomou a frente.


- A Patrícia está sedada e só pode receber visita dos pais dela e de mais ninguém.


- Coitadinha – disse Débora. – Tchau, gente, tenho que ir. Meu pai já deve estar me esperando. A nova mania agora é me buscar.


Fernanda e Cláudia permaneceram na sala.


- Fernanda, você vai comigo até o hospital? Eu esqueci meu livro de histórias ontem.


- Vamos lá – disse Fernanda, sorrindo.


Quando chegaram ao hospital, elas perguntaram sobre o livro na recepção. A recepcionista permitiu que entrassem para pegá-lo em um balcão de atendimento de outro andar do prédio.
As moças passaram na frente do quarto de Patrícia e Cláudia logo notou a falta do policial.


- Vem, Fernanda.


Entraram no quarto e fecharam a porta. Aproximaram-se de Patrícia, que dormia profundamente. Cláudia tocou carinhosamente na mão de Patrícia.


- Eu estava curiosa para vê-la – disse Cláudia.


- Eu também – respondeu Fernanda, roendo as unhas.


Fernanda afagou os cabelos da moça e esta abriu os olhos, moveu a cabeça lentamente e tentou falar, mas parecia embriagada e as visitantes não a compreendiam.


- Calma, Paty. Você vai melhorar. Não precisa se preocupar com nada – falou Cláudia.


- To... tonhi... Tony...


- Não se preocupe, Paty. Eles vão mandar o Antônio para a cadeia – afirmou Fernanda.


Patrícia tentava lutar contra o efeito dos sedativos e reagiu assim que entendeu o que aconteceria. Ficou agitada e em seus olhos havia medo. Encolheu-se na cabeceira da cama, movimentando a cabeça numa negativa desesperada.


Assustadas, Cláudia e Fernanda procuraram acalmá-la, sem sucesso. De repente, uma enfermeira entrou no quarto e arregalou os olhos.


- O que estão fazendo aqui? Essa moça não deve receber visitas! Vejam só o que fizeram! Fora daqui! Saiam imediatamente ou chamo a polícia!


Cláudia e Fernanda prontamente deixaram o quarto.


- Estamos numa enrascada, Cláudia! – reclamou Fernanda, ainda atordoada com a reação de Patrícia.


- Viu como ela ficou? – Os olhos de Cláudia brilhavam e ela parecia não ter se dado conta da gravidade da situação. – Foi só você falar do Antônio na cadeia e ela reagiu!


- Sabe o que isso significa? Que ela não pode ouvir o nome dele! – Fernanda estava zangada e gesticulava nervosamente, enquanto quase corriam pelos corredores. – E provavelmente o efeito dos sedativos passou. O que acha que ela faria? Queria que nos contasse tudo o que aconteceu? Cai na real, Cláudia!


- Não, Fernanda, me escuta. Isso significa que ela não quer que ele seja preso, porque não foi ele. Ah, eu sabia!


Cláudia podia pular de alegria. Chegaram ao balcão de informações e pegaram o livro esquecido.


- Esperem! – chamou a recepcionista antes que elas pudessem se afastar. – A diretora quer falar com vocês. Venham comigo.


Cláudia e Fernanda olharam uma para a outra e seguiram a recepcionista até uma sala de reuniões.


- Aguardem aqui um minuto que ela já vem.


Não demorou muito para a diretora aparecer.


- Boa tarde – disse ela em tom pouco amistoso. – Ficaria feliz em vê-las caso os motivos fossem outros.


Fernanda e Cláudia não escondiam a ansiedade.


- Dra. Carola, o que houve? – perguntou Cláudia, apreensiva.


Dra. Carola era uma senhora de baixa estatura, magra e de cabelos brancos. Sua presença no hospital era constante, apesar da idade avançada. Normalmente era bondosa e compreensiva, mas a ocasião ameaçara sua paciência e ela fora obrigada a assumir uma postura autoritária e intransigente. Exigiu explicações das garotas que ainda não haviam compreendido o motivo da repreensão. Finalmente, Dra. Carola revelou que a visita proibida havia causado sérios danos à saúde da paciente, que tivera seu sistema nervoso amplamente alterado e recebera doses extras de sedativos.


Após o esclarecimento da diretora, Cláudia sentiu um súbito mal-estar, semelhante a uma agulhada em seu cérebro, porque se sentira terrivelmente culpada pelo agravamento do quadro clínico de Patrícia. Percebera que estava levando sua tarefa muito mais longe do que imaginara, porque ao contrário de ajudar – como era seu desejo –, ela prejudicara a moça. Para terminar o sermão, Dra. Carola disse:


- Se não fosse a grande estima que tenho por sua coordenadora, a Benedita, mandaria vocês agora mesmo para dar satisfações ao delegado Ivan.


Cláudia e Fernanda quase pularam da cadeira.


- Mas, como eu disse, em consideração à Benedita, vou fingir que nada aconteceu e explicarei aos pais dela que Patrícia teve uma reação emocional muito forte. Entenderam? – Elas responderam e quase correram da sala. – Mais uma destas e o delegado vai saber de tudo.


As adolescentes procuraram acalmar os nervos e saíram do hospital. Na rua, Cláudia quase foi atropelada.


- Tá no mundo da lua, garota? – irritou-se o motorista.


Elas chegaram finalmente na casa de Cláudia e refugiaram-se no quarto. Cláudia ainda sentia o dissabor de ter trocado os pés pelas mãos e os “choques” em seu cérebro continuavam, a intervalos regulares.


- Viu? O que vamos fazer agora?


- Calma, amiga. Não precisa me dar essa bronca. Eu vou ligar pra delegacia. Quero ver se informam o endereço do Antônio – explicou Cláudia, tentando esquecer as ondas elétricas que faziam seu corpo tremer. – Eu estraguei tudo, mas quero consertar a situação. Nós não temos tempo a perder.


Antes mesmo que Fernanda contestasse, Cláudia já estava na linha com a delegacia. Anotou o endereço no caderno e desligou o telefone.


- Fernanda, vem comigo.


- O quê? Aonde? Na casa daquele safado? Não vou me arriscar. E nem você.


- Mas, Fê...


- Nada disso. Fim de papo. Tá ok? – afirmou Fernanda, encerrando a conversa.



A campainha tocava seguidamente, espalhando o som irritante pelo apartamento. Antônio reuniu toda sua força de vontade para levantar do leito e abrir a porta e ficou contrariado ao rever Cláudia e Fernanda.


- O que fazem aqui? – perguntou ele, impaciente.


- Queremos visitar você, ora.


- Vocês não desistem, não é? Entrem.


Cláudia e Fernanda entraram no apartamento desleixado. Um tufão parecia ter passado por ali.


- Desculpem a bagunça. Não imaginei que receberia visita – falou ironicamente.


- Por que você foi ao hospital ameaçar Patrícia? – perguntou Cláudia, de supetão, observando a expressão pouco amistosa de Antônio. Ele pareceu aborrecido com o julgamento precipitado e andava de um lado para outro da sala esfregando as mãos no rosto envelhecido pelo sofrimento, talvez pelo remorso, coisa que Cláudia não soubera avaliar.


- Isso parece um pesadelo. E vocês sempre aparecem para tornar tudo mais difícil.


- Não é verdade. Queremos ajudar – falou Cláudia, quase se desculpando.


Finalmente Antônio sentou na poltrona e após alguns esclarecimentos, deduziram que o delegado mentira ao afirmar que Antônio fora liberado às 20 horas. Na versão de Antônio, sua saída da delegacia dera-se às 21 horas.


- Olhem, moças. Não sei o que está havendo aqui, mas há uma conspiração contra mim. Eu acho que vocês devem se afastar desse caso, antes que seja tarde demais.


- Por que está todo mundo nos dizendo isso? Alguém tem medo que a gente descubra alguma coisa – reclamou Cláudia.


Até então calada, Fernanda ouvia o depoimento de Antônio incerta sobre o tipo de pessoa que Cláudia insistia defender. Não achava seguro fazer toda aquela investigação por conta própria, mas diante do sofrimento que testemunhara vendo Antônio tão depressivo e inseguro, o oposto do policial forte e valente que conhecera antes de tudo acontecer, aceitou definitivamente a inocência dele. Lembrou-se da cena que presenciara no quarto do hospital e da dor que saltava aos olhos de Antônio enquanto conversava com Patrícia. “Tudo isso o machucou demais”, pensou Fernanda, subitamente envergonhada pelos seus preconceitos pueris e julgamentos precipitados. Ela não sabia ouvir a voz do coração como a amiga, que desde o primeiro instante se mobilizara para ajudar o casal. Fernanda então resolveu assumir a nova posição para a qual as reflexões a encaminharam e, com doçura no olhar e na voz, falou:


- Escute, Antônio, eu acreditava que você era culpado, mas agora vejo que estava errada. Peço desculpas pela minha atitude.


Cláudia sorriu orgulhosa para Fernanda.


- Isso mesmo, Antônio. Já disse isso uma vez. Pode contar conosco! – anunciou Cláudia, eufórica. – Agora, que tal uma melhorada no aspecto desse lugar?


Antônio observou uma a uma e imaginou se elas poderiam compreender a angústia que o fazia perder a vontade de viver. A ameaça não estava em provar sua inocência, mas no fato de aceitar a situação, recuperando a saúde e o amor de Patrícia. Entretanto, ele se deu ao direito de voltar a sonhar com a solução de todos os problemas. Agradeceu a confiança e, alegremente, começaram a pôr ordem no apartamento.